Prof. Wilson Seraine, no traço de Moisés Rêgo. |
A. J. de O. Monteiro
Domingo,
10 horas da manhã, um belo céu azul de junho e eu sozinho em casa. Todos saíram,
uns para a Igreja, outros pro clube. O silêncio começa incomodar e resolvo
sair; decido ir saborear uma cervejinha num dos locais mais agradáveis de
Teresina: o restaurante flutuante que fica no parque ambiental Encontro dos
Rios, na confluência dos rios Parnaíba e Poti. No pátio do parque, um grupo
folclórico apresenta o bailado do “bumba-meu-boi” em meio a uma roda de
espectadores. Parei para me deleitar um pouco com o folguedo.
Absorto,
a mente viajando enquanto os personagens evoluíam em seu bailado encenação – o boi,
o vaqueiro ataiando o boi, o nego
chico, a catirina e os músicos com seus instrumentos. De repente lá se vai o
boi pelos ares; se estatela no chão e do seu interior sai o miolo soltando fogo
pelas ventas. Com uma enorme peixeira na mão arremete rumo à multidão que corre
desordenada e em grande alarido. Fiquei parado, sem ação e o miolo,
transtornado parou em minha frente e gritou:
-
O Senhor viu quem foi?
-
Quem foi o quê, moço?
-
O fidumaégua qui passou a mão no fi-ó-fó do boi?
-
Não, não vi, mas se tivesse visto ajudaria o senhor dá uns panos de faca no
safado. Isso é uma falta de respeito com umas das mais representativas
manifestações folclóricas do Nordeste, francamente... Onde já se viu, uma coisa
dessas?
Ele
chorou um pouco, um choro contido mas dolente. Os demais personagens do grupo
se aproximam, conversam um pouco com ele que mais calmo veste novamente a
fantasia. A música recomeça, os volteios retomam o ritmo com a catirina segurando
o chifre do boi que se soltou no tombo.
Um
ditado popular diz que o diabo quando não vem manda o secretário. Um espírito
de porco, justo ao meu lado, grita: “Enfia esse chifre no fi-ó-fó do boi!” Novamente boi pelos ares. O miolo arranca o chifre
da mão da catirina e corre, dessa vez, direto no meu rumo e pergunta:
-
O sinhô viu o disgraçado qui falou essa infâmia?
-
Vi, miolo, dessa vez eu vi. Ele correu ali pros lados do monumento ao “Cabeça
de Cuia”. Já deve estar longe, o safado.
-
O sinhô é capaiz de arreconhecer o disgraçado?
-
Sim, e pode contar comigo pra dar uns panos de faca no sacripanta...
Calma
restabelecida, boi volteando e dois chifres nas mãos da catirina... Pensei lá
com meus botões: “é melhor eu descer, tomar minha cervejinha, antes que o filha
da mãe volte e provoque outra confusão. Tenho certeza que o miolo não vai
aguentar dois chifres no fi-ó-fó do
boi...”
Lá
estou tomando minha cervejinha, embalado pelo leve balouçar do flutuante,
provocado pelas marolas das lanchas e jetes
esquis quando percebo que a cantoria e o baticum cessaram e um inquietante
pensamento me ocorreu: “e se ele achar que depois que sai nada mais aconteceu?
Vai ficar desconfiado. É capaz dele pensar que fui eu o autor das sacanagens...”
Nisso, olho pra cima e vejo, lá no alto da escadinha de madeira que dá acesso
ao bar, o miolo, olhando em todas as direções como se procurasse algo ou
alguém... “O que fazer, pensei. Cercado por água por três lados e o miolo na única
saída seca.” Ele começa a descer e chega à entrada do bar. Olha diretamente pra
mim e abre um largo sorriso. Aproxima-se e pergunta:
-
Posso sentar e tomar uma geladinha com o sinhô?
-
Claro, respondi, pode sentar.
Comentamos
rapidamente os incidentes, pois ele próprio propôs falarmos de coisas boas e
perguntou:
-
O sinhô conhece o Professô Uírso Serai?
-
Não, respondi.
Ele
então continuou: “Ele tava ai, deve
ter saído mais cedo pra outros cumprumisso.
O sinhô deve ter visto ele. É um sujeito bem maguim, usa uma barbichinha rala, é um pouco careca e num para
quieto. O sinhô deve de cunhecer, ele tem um programa na rádia e já apareceu várias veiz na televisão...”
Resolvi
não falar nada, mas a descrição que o miolo fez do seu amigo, bate com o tipo
do sujeito que mandou a catirina enfiar o chifre no fi-ó-fó do boi... “Deve ser
apenas um sósia, pensei... Vou ficar quieto...”
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