quinta-feira, 3 de outubro de 2013

JURO QUE ESTOU VIVO!


A. J. de O. Monteiro
                Em agosto do ano passado, determinada pessoa, que não tinha como comprovar renda para alugar um imóvel para moradia, pediu-me que o fizesse. É um risco, sei, mas não tive problemas. A favorecida pagou rigorosamente os alugueres, sem atrasar um dia sequer.
                Vencido o contrato em julho passado, a mesma resolveu mudar de moradia, mas, desta vez, conseguiu um contrato direto com a proprietária da nova casa, não precisando, portanto, de novo favor.
                Como inquilino de direito, tive que assumir os trâmites da devolução do imóvel: acompanhar vistoria de entrega, providenciar desligamento de água e energia elétrica junto às concessionárias, etc. Tudo feito com relativa facilidade, para minha surpresa.
                De posse das declarações de quitação, voltei à imobiliária que intermediou o contrato de locação, para a devolução das chaves. Aí sim, começaram meus problemas. Esperei um pouco, na sala de atendimento, até ser chamado por uma sorridente funcionária, a quem entreguei os documentos. Ela os examinou, reexaminou, pesquisou algum tempo no computador, balançou a cabeça de um lado para o outro, olhou para mim e disse: - “Desculpe-me senhor, mas está faltando a certidão de óbito do locatário.” Sem entender, reagi: - “Como!? Certidão de óbito!? A senhorita não estaria querendo dizer certidão de nascimento..., certidão de casamento...?” Assumindo um ar professoral, ensinou, pausadamente: -“ Não, senhor, quando a pessoa morre, todos os documentos civis são substituídos pela certidão de óbito, é a lei.”
                 – “Claro, claro, sei disso, mas a senhorita está querendo a certidão de óbito de quem?” Já demonstrando irritação, respondeu: - “Do inquilino; de quem mais haveria de ser? Ora bolas!” Em ato contínuo virou o monitor do computador para mim e lá estava, na tela, o meu cadastro completo, sem rasuras. Lá estava toda minha identificação: filiação, RG, CIC, local de trabalho, endereço, etc. Mas, para minha estupefação, após meu nome, entre parênteses e em letras garrafais, a sentença: FALECIDO. Com a voz trêmula, a visão embaçada e a língua seca, quase num sussurro, atrevi-me perguntar: - Senhorita, o falecido é mesmo esse aí?” Novamente, demonstrado nervosismo, quase berrando, falou: - É claro! Quem mais haveria de ser...?” No mesmo tom de voz, respondi: - “Qualquer um, menos esse aí!” Gritando, ela retrucou: - “O senhor é louco? Se no cadastro está dizendo que ele está morto é porque está. “Vá providenciar a certidão de óbito e depois volte aqui para concluirmos os trâmites...” Respondi, então: - “Não posso.”

                – “Por que não?”
                – “Porque, segundo esse documento, estou morto.”
                 – “O senhor está zoando comigo... Vou chamar a segurança...”
                Olhei em volta e todos na sala olhavam para nós: funcionários, clientes, todos querendo saber o que acontecia. Assumi uma postura pacifista, tirei da carteira os documentos que estavam listados do cadastro, dizendo: - “Tome, confira e veja que todos batem com as anotações do cadastro. Estou vivo senhorita. Repare que estou até bem vermelho.” Ainda agitada ela disse: - “Olha moço, é até possível que o senhor esteja vivo, mas se seu cadastro diz que o senhor está morto, sinto muito, o senhor vai ter que provar que está vivo.”.
                – “Como vou provar isso?”
                – “Não sei moço, aqui apenas recebo chaves.”
                – “Ótimo, chegamos a um termo, aqui estão as chaves.” Novamente irritada, mas, pausadamente, falou: - “O senhor não entende mesmo... Ou o senhor traz sua certidão de óbito ou o contrato vai continuar vigendo e o senhor terá de arcar com todas as despesas consequentes...”
                – “Tudo bem, vou até ali ver se consigo ser atropelado e depois volto com minha certidão de óbito.” E conclui: - “Senhorita, pelo meu histórico de vida, com certeza vou para o inferno; a senhorita não tem interesse em mandar algum recado para a digníssima senhora sua mãe?” Disse isso e sai correndo com medo que ela arremessasse qualquer objeto contundente contra minha cabeça e, realmente, fosse eu a óbito... 

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