A. J. de O. Monteiro
Em
agosto do ano passado, determinada pessoa, que não tinha como comprovar renda
para alugar um imóvel para moradia, pediu-me que o fizesse. É um risco, sei,
mas não tive problemas. A favorecida pagou rigorosamente os alugueres, sem
atrasar um dia sequer.
Vencido
o contrato em julho passado, a mesma resolveu mudar de moradia, mas, desta vez,
conseguiu um contrato direto com a proprietária da nova casa, não precisando,
portanto, de novo favor.
Como
inquilino de direito, tive que assumir os trâmites da devolução do imóvel:
acompanhar vistoria de entrega, providenciar desligamento de água e energia
elétrica junto às concessionárias, etc. Tudo feito com relativa facilidade,
para minha surpresa.
De
posse das declarações de quitação, voltei à imobiliária que intermediou o
contrato de locação, para a devolução das chaves. Aí sim, começaram meus
problemas. Esperei um pouco, na sala de atendimento, até ser chamado por uma
sorridente funcionária, a quem entreguei os documentos. Ela os examinou,
reexaminou, pesquisou algum tempo no computador, balançou a cabeça de um lado
para o outro, olhou para mim e disse: - “Desculpe-me senhor, mas está faltando
a certidão de óbito do locatário.” Sem entender, reagi: - “Como!? Certidão de
óbito!? A senhorita não estaria querendo dizer certidão de nascimento..., certidão
de casamento...?” Assumindo um ar professoral, ensinou, pausadamente: -“ Não,
senhor, quando a pessoa morre, todos os documentos civis são substituídos pela
certidão de óbito, é a lei.”
– “Claro, claro, sei disso, mas a senhorita
está querendo a certidão de óbito de quem?” Já demonstrando irritação, respondeu:
- “Do inquilino; de quem mais haveria de ser? Ora bolas!” Em ato contínuo virou
o monitor do computador para mim e lá estava, na tela, o meu cadastro completo,
sem rasuras. Lá estava toda minha identificação: filiação, RG, CIC, local de
trabalho, endereço, etc. Mas, para minha estupefação, após meu nome, entre
parênteses e em letras garrafais, a sentença: FALECIDO. Com a voz trêmula, a
visão embaçada e a língua seca, quase num sussurro, atrevi-me perguntar: -
Senhorita, o falecido é mesmo esse aí?” Novamente, demonstrado nervosismo,
quase berrando, falou: - É claro! Quem mais haveria de ser...?” No mesmo tom de
voz, respondi: - “Qualquer um, menos esse aí!” Gritando, ela retrucou: - “O
senhor é louco? Se no cadastro está dizendo que ele está morto é porque está.
“Vá providenciar a certidão de óbito e depois volte aqui para concluirmos os
trâmites...” Respondi, então: - “Não posso.”
–
“Por que não?”
–
“Porque, segundo esse documento, estou morto.”
– “O senhor está zoando comigo... Vou chamar a
segurança...”
Olhei
em volta e todos na sala olhavam para nós: funcionários, clientes, todos
querendo saber o que acontecia. Assumi uma postura pacifista, tirei da carteira
os documentos que estavam listados do cadastro, dizendo: - “Tome, confira e
veja que todos batem com as anotações do cadastro. Estou vivo senhorita. Repare
que estou até bem vermelho.” Ainda agitada ela disse: - “Olha moço, é até
possível que o senhor esteja vivo, mas se seu cadastro diz que o senhor está
morto, sinto muito, o senhor vai ter que provar que está vivo.”.
–
“Como vou provar isso?”
–
“Não sei moço, aqui apenas recebo chaves.”
–
“Ótimo, chegamos a um termo, aqui estão as chaves.” Novamente irritada, mas,
pausadamente, falou: - “O senhor não entende mesmo... Ou o senhor traz sua
certidão de óbito ou o contrato vai continuar vigendo e o senhor terá de arcar
com todas as despesas consequentes...”
–
“Tudo bem, vou até ali ver se consigo ser atropelado e depois volto com minha
certidão de óbito.” E conclui: - “Senhorita, pelo meu histórico de vida, com
certeza vou para o inferno; a senhorita não tem interesse em mandar algum
recado para a digníssima senhora sua mãe?” Disse isso e sai correndo com medo
que ela arremessasse qualquer objeto contundente contra minha cabeça e,
realmente, fosse eu a óbito...
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