quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

BOA NOITE, “SEO” BARBOSA!



A. J. de O. Monteiro
               
                    Aos primeiros acordes d’O GUARANY, começávamos sair de casa rumo à esquina mal iluminada por uma lâmpada incandescente pendurada em um poste do IAEE (distribuidora, à época, da oscilante energia da Capital). A esquina é formada pela confluência da Av. Campos Sales com a R. 24 de Janeiro. Ali, todas as noites a nossa turma de esquina se reunia para conversar, brincar e, às vezes, brigar. Brigas de moleques amigos que não traziam consequência que se vê hoje, nas brigas de gangues.
                Na R. 24 de Janeiro, duas ou três casas, a contar da esquina, morava “Seo” Barbosa. Viúvo, velhinho (tinha eu a impressão que ele havia nascido daquele jeito). Era uma casa simples, com uma porta e uma janela (naquele estilo "capelinha"), com as paredes em tijolo aparente, não por um recurso arquitetônico mas, sim, por falta de recursos econômicos para o reboco e a pintura. “Seo” Barbosa vivia da pequena aposentadoria de um instituto qualquer e do minguado salário de sua filha – professora e também viúva – que com ele morava juntamente com o filho único, que atendia pelo apelido de “suçuarana” (não me perguntem porque).
                Naquele mesmo horário, a Professora saia para seu 3º turno de aulas no grupo escolar municipal, a um quarteirão dali, na Av. Campos Sales. Despedia-se do pai, sentado à porta da casa, e, ao passar por nós, na esquina, fazia, sempre,  a mesma recomendação ao “suçuarana”: - “Você e seus amigos, prestem atenção no papai; não se afastem...”. E nós ficávamos ali em nossas confabulações de reformadores do mundo... Quando batia a sede, ou alguma necessidade premia, corríamos à casinha, cuja porta ficava sempre aberta, passávamos pelo corredor com quatro portas que davam acesso à sala de visitas, aos quartos, à cozinha – onde ficava a bilheira com os potes d’água e alguns copos de alumínio, esmeradamente areados e, em seguida, o banheiro. Não havia comunicação interna entre os cômodos. Toda movimentação era feita pelo corredor.
                Numa dessas noites, atraídos por algum fato novo do qual não recordo, afastamos-nos da esquina e demoramos um pouco a retornar. Ao voltarmos, ouvimos a Professora falando alto com “Seo” Barbosa. Estava quase aos prantos: - “O que houve, papai, levaram tudo; o rádio, roupas, “trens” da cozinha, mantimentos... Quem entrou aqui? O Sr. não viu nada...? O velhinho, calmamente, respondeu: - "Ah, minha filha, entrou um rapaz muito simpático e educado... Bem diferente desses amigos de seu filho que entram e saem daqui sem nem mesmo olharem pra mim... Esse rapaz me deu boa noite ao entrar e ao sair despediu-se educadamente. Desejei-lhe boa viagem e ele se foi". – “Boa viagem por quê”? -“Ora”- respondeu ele: - “O coitado ia viajar... Carregava uma enorme mala e duas sacolas grandes. Recomendei-lhe pedir ajuda aos meninos, mas ele educadamente agradeceu e subiu a rua...”

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