Daniel Cariello**
Quando
se fecha uma biblioteca, finda-se o acesso a novos universos, a outras
culturas, a diferentes línguas, a desconhecidas linguagens. Ficamos mais burros
e mais ignorantes sem nem mesmo perceber.
Quando
se fecha uma biblioteca, ausentam-se livros que ansiavam por redenção, à espera
de que um estudante, um pesquisador ou um curioso desvende seus segredos,
revelados lentamente no passar das palavras e das páginas.
Quando
se fecha uma biblioteca, veda-se às crianças aquele instante mágico e único da
descoberta de uma obra que vai acompanhá-las a vida inteira. De uma aventura
impossível ou de uma fantasia espetacular, que elas podem viver por alguns
momentos graças às letras e aos desenhos impressos em folhas antes brancas, da
qual se recordarão suspirando fundo, com uma mistura de nostalgia e felicidade,
quando ficarem mais velhas e mais sérias.
Quando
se fecha uma biblioteca, sinaliza-se para o mundo que a praticidade deseja
subjugar a fantasia, o desleixo pretende superar o cuidado, a barbárie tenciona
sufocar a delicadeza.
Quando
se fecha uma biblioteca e se pendura na frente um pequeno papel escrito
“interditada”, impede-se o nosso contato com uma parte de nós mesmos que talvez
nem conheçamos ainda. Com um pedaço de nossa alma aguardando ser despertado por
uma obra adormecida em uma estante, que pode nos tocar bela e profundamente, a
ponto de nos mudar para sempre.
Quando
se fecha uma biblioteca, calam-se heróis e vilões, gentis e canalhas, campeões
e derrotados. Findam-se récitas e aventuras, tragédias e farsas. Matam-se
autores e leitores.
Quando
se fecha uma biblioteca, e não importam os motivos ou os culpados, trancamo-nos
mais em nós mesmos, em nossa individualidade, em nosso egoísmo.
No
momento em que nos descuidamos e permitimos que uma biblioteca seja aferrolhada
com todos os livros do lado de dentro e os leitores do lado de fora, ficamos em
débito impagável com nosso próprio passado e nossos antecessores, mas,
principalmente, com nossa continuidade e com aqueles que estarão por aí quando
já tivermos partido.
Quando
se fecha uma biblioteca, principalmente se ela faz parte de nossa vida e da
história do lugar em que moramos, é hora de abrirmos os olhos para ver bem o
que estão fazendo de nossa cidade. E a boca para dizer que não aceitamos isso.
*Originalmente publicado em Veja
Brasília de 04/06/2014.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
2 comentários:
Pior que em Brasília, caro Daniel, ocorre em Teresina. Aqui não se abrem bibliotecas.
Pior que em Brasília, Caro Daniel, ocorre aqui em Teresina. Aqui não se abrem bibliotecas
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