A. J. de O. Monteiro
Em
dia de inigualável felicidade recebi as chaves de um belíssimo apartamento,
situado em área nobre do Plano Piloto/Brasília. Como era moda na época para pisos de taco,
mandei passar sinteko¹. Sem pressa comecei mobiliá-lo condizentemente, seguindo
sempre as sugestões de minha futura esposa. Ficou muito bonito e, ao mesmo
tempo, funcional. Uma beleza, mesmo!
Tão
feliz quanto no dia em que recebi as chaves do apartamento, casei! Cerimonia
simples, com poucos amigos e alguns parentes, pois as reservas pecuniárias
foram quase que totalmente consumidas com o preparo do ninho de amor. Tudo me
parecia flores! A lua-de-mel, suave e gostosa com aquele “cheirinho de terra
molhada das primeiras chuvas do mês de janeiro”. Era só felicidade! A
atrapalhar apenas a presença de meu irmão que morava comigo e ainda não havia
encontrado um canto para morar como ficara acertado. Desorganizado, preguiçoso,
confortista... Sua presença, ao tempo que atrapalhava, deixava inquieta minha
mulher.
Um
dia, outro belíssimo dia, ele conseguiu mudar-se. Pensei, aliviado, “enfim
sós”! Oh não! A mãe dela chegou...
Passada
a fase em que (eu supunha) tudo eram flores, descobri que nos nossos
(principalmente nos meus) caminhos começaram aparecer espinhos. Os parentes (os
dela), inúmeros e espalhados por todo o Goiás, quiçá alhures, começaram a
chegar. Primeiro um, o Ciniro, sob o pretexto de conseguir emprego na capital.
Recebi-o com o sorriso e a alegria de uma tia velha que recebe a visita de seu
sobrinho favorito. Principalmente porque naqueles tempos, Brasília ainda
ofertava muitas oportunidades de emprego o que deixava a expectativa de que
logo ele se empregasse e tomasse seu rumo.
De
repente, não mais que de repente, o sorriso fez-se pranto e o pranto dor²... Chegou mais um... Depois outro e mais outro.
Aquele apartamento que imaginara o meu “lar doce lar” tomava feição de hotel de
cidade do interior em dias de festa de santa padroeira. À noite colchões eram
espalhados pelos quartos, inclusive o de serviço e, ás vezes, até na sala e
sacadas. Tinha goianos por todos os lados e goianas por todos os cantos. Cada
palmo do apartamento era disputado a unhas e dentes. De minuto em minuto as
descargas dos sanitários eram acionadas... Os da suíte conjugal, inclusive! Nas
portas dos sanitários uma fila a lembrar novamente uma quermesse do interior. Em
momentos aflitivos de prementes necessidades, cheguei a recorrer a sanitários
de bares próximos. À mesa quase sempre arroz com pequi e galinha caipira com guariroba³
- que eu gosto, mas já beirava exagero. Certa vez, com ironia, propus um leilão
e eles toparam...
Pela
manhã, preparando-me para trabalhar:
-
Mulheeer, cadê minha gravata “bordô”?
-
Ah, o Ciniro usou como atadura...
-
Como?
-
É, o Calixto, numa discussãozinha, jogou o cinzeiro de porcelana na cabeça dele...
Fez um rombo enorme, como não tinha atadura, emergencialmente, usei a gravata...
-
E o cinzeiro?
-
Quebrou, mas ele, o Calixto, prometeu colar e a gravata já coloquei de molho...
E assim por diante: O barbeador sempre entupido de pelos... A loção pós-barba fora usada como desodorante... Meu cigarro desaparece na fumaça de mil fábricas de Cubatão... Minha cachaça Mangueira trazida do Piauí é consumida como água. Meu sossego, minha paz... Estão acabando com tudo... Os parentes chegam e não saem mais...
E assim por diante: O barbeador sempre entupido de pelos... A loção pós-barba fora usada como desodorante... Meu cigarro desaparece na fumaça de mil fábricas de Cubatão... Minha cachaça Mangueira trazida do Piauí é consumida como água. Meu sossego, minha paz... Estão acabando com tudo... Os parentes chegam e não saem mais...
*Texto escrito em 1977, em
Brasília/DF.
¹ Produto que se aplicava aos
pisos de madeira para dar-lhes mais beleza.
² Inspirado em versos de Vinicius
de Moraes.
³ Palmito amargo extraído de
palmeira do cerrado goiano.
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