(*) Ferrer Freitas
José Régio é o pseudônimo
literário do português José Maria dos Reis Pereira, que nasceu em 1901 em Vila
do Conde, onde veio a falecer em 1969. A
cidade integra a grande região metropolitana do Porto. Licenciado em letras em
Coimbra, lecionou por mais de 30 anos e foi um dos fundadores da revista de
nome “Presença”, que, não sei se por coincidência ou homenagem, é o mesmo da
editada pelo nosso Conselho Estadual de Cultura. Romancista, dramaturgo,
ensaísta, foi no entanto como poeta que se notabilizou. Com o livro “Poemas de
Deus e do Diabo”, editado em 1925, apresentou a maioria dos temas que viria
desenvolver.
Redescobri o poeta português pela
lembrança que me veio, de inóspito, do belíssimo musical “Brasileiro, Profissão
Esperança”, de Paulo Pontes (Vicente de Paula Holanda Pontes), paraibano de
Campina Grande, nascido em 1940 e falecido no Rio em 1976, desaparecimento extremamente
lamentado nos meios teatrais por se tratar de jovem dramaturgo de peças de
enorme sucesso, como foi o caso de “Um edifício chamado 200”. Para a televisão
escreveu a série “A grande família”, de não menos sucesso. Registre-se que tudo
isso ocorreu de meados dos anos 60 até seu falecimento em 1976, com apenas 36
anos.
“Brasileiro, Profissão
Esperança” retrata as vidas atormentadas do pernambucano Antônio Maria,
jornalista, radialista e letrista de memoráveis sambas-canções, entre os quais
o belíssimo “Ninguém me Ama”, em parceria com Fernando Lobo, e da compositora e
cantora Dolores Duran, autora de sucessos como “Estrada do Sol”, composto em
parceria com Tom Jobim. A montagem no Canecão, em 1974, com Clara Nunes e Paulo
Gracindo, sob a direção de Bibi Ferreira, foi de tal modo festejada, que virou
disco “long-play” e, posteriormente, CD. De texto antológico, permito-me
transcrever aqui o poema “Cântico Negro”, de José Régio, magistralmente
recitado no show por Paulo Gracindo. E o
faço por que contém verdades incontestáveis que merecem reflexões de muitas
pessoas:
"Vem por aqui" — dizem-me alguns
com os olhos doces
Estendendo-me
os braços, e seguros
De que seria
bom que eu os ouvisse
Quando me
dizem: "vem por aqui!"
Eu os olho com
olhos lassos,
(Há, nos olhos
meus, ironias e cansaços)
E cruzo os
braços,
E nunca vou
por ali...
A minha glória
é esta:
Criar
desumanidades!
Não acompanhar
ninguém.
— Que eu vivo
com o mesmo sem-vontade
Com que
rasguei o ventre da minha mãe
Não, não vou
por aí! Só vou por onde
Me levam meus
próprios passos...
Se o que busco
saber nenhum de vós responde
Por que me
repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro
escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar
aos ventos,
Como farrapos,
arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao
mundo, foi
Só para
desflorar florestas virgens,
E desenhar
meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que
faço não vale nada.
Como, pois,
sereis vós
Que me dareis
impulsos, ferramentas e coragem
Para eu
derrubar os meus obstáculos?...
Corre nas
vossas veias sangue velho dos avós,
E vós amais o
que é fácil!
Eu amo o Longe
e a Miragem,
Amo os
abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes
estradas,
Tendes
jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria,
tendes tetos,
E tendes
regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a
minha Loucura !
Levanto-a,
como um facho, a arder na noite escura,
E sinto
espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo
é que me guiam, mais ninguém!
Todos tiveram
pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que
nunca principio nem acabo,
Nasci do amor
que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que
ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me
peça definições!
Ninguém me
diga: "vem por aqui"!
A minha vida é
um vendaval que se soltou,
É uma onda que
se alevantou,
É um átomo a
mais que se animou...
Não sei por
onde vou,
Não sei para
onde vou
Sei que não
vou por aí!
(*) Ferrer
Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras
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