segunda-feira, 14 de julho de 2014

NAQUELA NOITE*




Daniel Cariello**
                Se naquela noite os alienígenas chegassem à cidade pela primeira vez, veriam um lugar silencioso, sem pessoas na rua, apenas carros zanzando para um lado e para o outro, sem destino, sem pressa, sem ruídos. Perceberiam algo estranho no ar, mas não seriam capazes de dizer o quê.
                Pensariam, então, que os automóveis eram os habitantes do local e tentariam comunicar-se com eles. Primeiro, por meio de sons e luzes. Depois, usando o idioma das máquinas. Como não haveria resposta, imaginariam tratar-se de uma raça muito diferente, cuja linguagem eles não eram capazes de decifrar.
                Consultariam seus mapas estelares para ter certeza de que estavam no planeta exato, no país correto, na data precisa. Verificariam diversas vezes até não restar mais nenhuma dúvida de que, sim, haviam chegado aonde queriam. E então estranhariam as instruções recebidas de fontes tidas como confiáveis nos altos planos galácticos: “Não há lugar mais feliz no universo neste momento. Entendam o que é esse sentimento e tentem trazer um pouco para nosso mundo tão desenvolvido, mas tão frio de emoções, que se perdeu à medida que avançamos tecnologicamente.”
                Então, eles se aproximariam um pouco mais, e mais, e mais ainda, no limite de não serem vistos, e apontariam suas câmeras para uma região de casas, para a qual dezenas de carros haviam se dirigido algum tempo antes. Ali devia estar acontecendo algo, deduziriam corretamente.
                Pelo zoom, observariam finalmente pessoas, grandes e de alguma maneira semelhantes a eles. Elas estariam silenciosas, desoladas, atônitas, o contrário do que esperavam ver. Já na preparação da viagem de volta ao planeta deles, sem nada para relatar aos superiores, olhariam uma última vez e veriam um outro ser, bem pequeno, aproximar-se de um dos grandes, tão desorientado quanto os demais presentes. Com seus potentes microfones, captariam o áudio do momento.
– Pai, por que você está chorando?
– Perdemos o jogo.
– Você que perdeu?
– Não, o nosso time. Levamos muitos gols.
– Não fica triste. Vamos jogar bola. Eu deixo você fazer mais gols em mim.
                E naquela noite, naquela casa, naquela cidade, naquele país, naquele planeta tão distante, os alienígenas encontrariam o que buscavam: um sorriso alto e de cumplicidade entre pai e filho contagiou os humanos que ali estavam, e eles se organizaram em times para disputar a partida que realmente valeria. Os dois lados eram o Brasil. Que venceu no fim.
*Originalmente publicado em Veja Brasília de 11/07/2014.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br

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