Daniel Cariello**
Se
naquela noite os alienígenas chegassem à cidade pela primeira vez, veriam um
lugar silencioso, sem pessoas na rua, apenas carros zanzando para um lado e
para o outro, sem destino, sem pressa, sem ruídos. Perceberiam algo estranho no
ar, mas não seriam capazes de dizer o quê.
Pensariam,
então, que os automóveis eram os habitantes do local e tentariam comunicar-se
com eles. Primeiro, por meio de sons e luzes. Depois, usando o idioma das
máquinas. Como não haveria resposta, imaginariam tratar-se de uma raça muito
diferente, cuja linguagem eles não eram capazes de decifrar.
Consultariam
seus mapas estelares para ter certeza de que estavam no planeta exato, no país
correto, na data precisa. Verificariam diversas vezes até não restar mais
nenhuma dúvida de que, sim, haviam chegado aonde queriam. E então estranhariam
as instruções recebidas de fontes tidas como confiáveis nos altos planos
galácticos: “Não há lugar mais feliz no universo neste momento. Entendam o que
é esse sentimento e tentem trazer um pouco para nosso mundo tão desenvolvido,
mas tão frio de emoções, que se perdeu à medida que avançamos
tecnologicamente.”
Então,
eles se aproximariam um pouco mais, e mais, e mais ainda, no limite de não
serem vistos, e apontariam suas câmeras para uma região de casas, para a qual
dezenas de carros haviam se dirigido algum tempo antes. Ali devia estar
acontecendo algo, deduziriam corretamente.
Pelo
zoom, observariam finalmente pessoas, grandes e de alguma maneira semelhantes a
eles. Elas estariam silenciosas, desoladas, atônitas, o contrário do que
esperavam ver. Já na preparação da viagem de volta ao planeta deles, sem nada
para relatar aos superiores, olhariam uma última vez e veriam um outro ser, bem
pequeno, aproximar-se de um dos grandes, tão desorientado quanto os demais
presentes. Com seus potentes microfones, captariam o áudio do momento.
– Pai, por que você está
chorando?
– Perdemos o jogo.
– Você que perdeu?
– Não, o nosso time. Levamos
muitos gols.
– Não fica triste. Vamos jogar
bola. Eu deixo você fazer mais gols em mim.
E
naquela noite, naquela casa, naquela cidade, naquele país, naquele planeta tão
distante, os alienígenas encontrariam o que buscavam: um sorriso alto e de
cumplicidade entre pai e filho contagiou os humanos que ali estavam, e eles se
organizaram em times para disputar a partida que realmente valeria. Os dois
lados eram o Brasil. Que venceu no fim.
*Originalmente publicado em Veja Brasília de 11/07/2014.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
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