Daniel Cariello**
Quem
acompanha a Copa lamentou a ausência por contusão de craques como Ribéry,
Falcao García e Montolivo. Já eu estou sentindo falta deles e de mais 48
jogadores que ainda não pintaram no meu álbum de figurinhas, apesar da fortuna
que já gastei com pacotinhos. Se dependesse da minha escalação, não teria Copa.
Ou talvez tivesse, mas num nível que faria Íbis x Mutunópolis parecer a final
da Libertadores da América.
Para
suprir essas lacunas e não deixar a minha filha de 4 anos ser humilhada (suas
colegas Alice e Pietra desfilam garbosas pela escola com o álbum devidamente
preenchido, e o Nicolas já partiu para o segundo), decidi me mexer. Consultei
amigos e fiquei sabendo de uma banca de revistas que junta um bando de
fanáticos pela coleção. Se eu não resolvesse ali, poderia desistir, eles me
disseram.
O
que eu só descobri no local é que alguns chegam lá com objetivos nobres, tipo
completar seu álbum e fazer amizades. Mas outros vão apenas para humilhar
pessoas como eu, necessitadas de pedaços de papel autocolantes com a fotografia
de jogadores de futebol. Esse era o caso de um menino de uns 8 anos, com camisa
do Brasil e cabelo à Neymar, que ostentava uma pilha enorme de cromos, o Ribéry
no topo. Fui falar com ele.
—
Ô, garoto, quanto você quer pelo francês?
—
Não está à venda. É para trocar. Deixa eu ver o que você tem.
Passou
a vista com desprezo pelo meu magro acervo e o devolveu esticando o braço, sem
olhar para mim. Não havia nada que o interessasse, anunciou, com ar superior.
Enquanto eu buscava um argumento para reabrir as negociações, alguém do outro
lado subiu em um banquinho e gritou:
—
Quem quer o Neymar? É do primeiro que chegar.
O
anúncio, feito por um senhor de bigode monárquico, causou frenesi entre os mais
de quarenta técnicos presentes. Todos queriam o atacante brasileiro. Mas quem o
levou foi o pirralho, que partiu em disparada e aproveitou-se da agilidade e da
baixa estatura para driblar os marmanjos aglomerados e chegar na frente.
—
E o Peyes? Tenho um sobrando aqui — bradou uma adolescente.
Eu
precisava do zagueiro colombiano, mas o insaciável moleque gritou antes de mim,
atrapalhando pela terceira vez meu desempenho de colecionador. Pensei em tomar
as figurinhas da mão dele e sair correndo, mas ali tinha tanto galalau maior do
que os zagueiros da Costa do Marfim que minhas chances de escapar com vida eram
inferiores às de o Irã ser campeão mundial.
Voltei
para casa disposto a resolver a situação de qualquer maneira. À noite, enquanto
minha filha dormia, baixei na internet, imprimi e colei as figurinhas
faltantes. Senti-me um falsário ideológico, mas não havia outra solução a não
ser fabricar um pastiche das estampas, uma cópia da Copa.
De
manhã, ela guardou o álbum na mochila da escola, muito satisfeita pela coleção
completa. Fiquei aliviado, mas ainda estou pensando no que vou dizer quando ela
notar aquele Balotelli quase albino, impresso no fim do cartucho.
*Publicado originalmente em Veja
Brasília de 27/06/2014
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
Um comentário:
Ótima crônica!
Lembrei dos tempos em que eu e minha irmã também tínhamos vários álbuns de figurinhas, e dos jogos de 'bafo' na escola. Algumas figurinhas nós nunca conseguimos encontrar...
Postar um comentário