quarta-feira, 2 de julho de 2014

VAI TER CÓPIA*




Daniel Cariello**

                Quem acompanha a Copa lamentou a ausência por contusão de craques como Ribéry, Falcao García e Montolivo. Já eu estou sentindo falta deles e de mais 48 jogadores que ainda não pintaram no meu álbum de figurinhas, apesar da fortuna que já gastei com pacotinhos. Se dependesse da minha escalação, não teria Copa. Ou talvez tivesse, mas num nível que faria Íbis x Mutunópolis parecer a final da Libertadores da América.
                Para suprir essas lacunas e não deixar a minha filha de 4 anos ser humilhada (suas colegas Alice e Pietra desfilam garbosas pela escola com o álbum devidamente preenchido, e o Nicolas já partiu para o segundo), decidi me mexer. Consultei amigos e fiquei sabendo de uma banca de revistas que junta um bando de fanáticos pela coleção. Se eu não resolvesse ali, poderia desistir, eles me disseram.
                O que eu só descobri no local é que alguns chegam lá com objetivos nobres, tipo completar seu álbum e fazer amizades. Mas outros vão apenas para humilhar pessoas como eu, necessitadas de pedaços de papel autocolantes com a fotografia de jogadores de futebol. Esse era o caso de um menino de uns 8 anos, com camisa do Brasil e cabelo à Neymar, que ostentava uma pilha enorme de cromos, o Ribéry no topo. Fui falar com ele.
                — Ô, garoto, quanto você quer pelo francês?
                — Não está à venda. É para trocar. Deixa eu ver o que você tem.
                Passou a vista com desprezo pelo meu magro acervo e o devolveu esticando o braço, sem olhar para mim. Não havia nada que o interessasse, anunciou, com ar superior. Enquanto eu buscava um argumento para reabrir as negociações, alguém do outro lado subiu em um banquinho e gritou:
                — Quem quer o Neymar? É do primeiro que chegar.
                O anúncio, feito por um senhor de bigode monárquico, causou frenesi entre os mais de quarenta técnicos presentes. Todos queriam o atacante brasileiro. Mas quem o levou foi o pirralho, que partiu em disparada e aproveitou-se da agilidade e da baixa estatura para driblar os marmanjos aglomerados e chegar na frente.
                — E o Peyes? Tenho um sobrando aqui — bradou uma adolescente.
                Eu precisava do zagueiro colombiano, mas o insaciável moleque gritou antes de mim, atrapalhando pela terceira vez meu desempenho de colecionador. Pensei em tomar as figurinhas da mão dele e sair correndo, mas ali tinha tanto galalau maior do que os zagueiros da Costa do Marfim que minhas chances de escapar com vida eram inferiores às de o Irã ser campeão mundial.
                Voltei para casa disposto a resolver a situação de qualquer maneira. À noite, enquanto minha filha dormia, baixei na internet, imprimi e colei as figurinhas faltantes. Senti-me um falsário ideológico, mas não havia outra solução a não ser fabricar um pastiche das estampas, uma cópia da Copa.
                De manhã, ela guardou o álbum na mochila da escola, muito satisfeita pela coleção completa. Fiquei aliviado, mas ainda estou pensando no que vou dizer quando ela notar aquele Balotelli quase albino, impresso no fim do cartucho.

*Publicado originalmente em Veja Brasília de 27/06/2014
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Ótima crônica!
Lembrei dos tempos em que eu e minha irmã também tínhamos vários álbuns de figurinhas, e dos jogos de 'bafo' na escola. Algumas figurinhas nós nunca conseguimos encontrar...