Daniel Cariello**
A Louise entrou na sala como uma
tempestade.
— Pai, pai, tenho uma ideia muito
boa. Vamos encher meu quarto de neve! Vamos, pai?
Engasguei com o copo d’água.
— Neve? Não tem neve no Brasil.
— Ué. A gente viaja para um lugar
frio, bota a neve em um potinho e traz para nossa casa.
— Não dá, Louise, vai derreter.
— Ah, pai, você não sabe de nada.
A gente pega muita, muita neve. O que derreter joga fora. O resto, coloca no meu quarto. Vai ficar lindo.
Já ia começar uma explicação
chata sobre estados da água, transferência de calor e outras bobagens de gente
grande quando me lembrei dos meus 4 anos e da minha inconformidade com o fato
de não haver praia em Brasília.
Na época, propus aos adultos uma
solução muito simples.
— É só a gente fazer um caminho
do mar do Rio de Janeiro até aqui.
— Mas como, Daniel?
— Ué, cavando, com um trator
daqueles bem grandes. Aí a água passa por ali e chega até Brasília.
Estava tudo muito claro na minha
cabeça: não existia praia na cidade porque ninguém havia pensado em uma maneira
de fazer uma. Agora, com o projeto idealizado, bastava chamar o moço do trator
para ele começar a cavar. Eu era um garoto razoável, e refleti que, como já
estava de noite, convinha esperar a manhã seguinte. Assim, o moço do trator
poderia dormir bem e iniciar o trabalho logo cedo, para dar tempo de terminar
antes do anoitecer.
Pacientemente, disseram-me que
não era possível; nem dez moços do trator poderiam me ajudar. O mar não chegaria
aqui e jamais teríamos praia com água
salgada, biscoito Globo e teco-tecos puxando faixas de publicidade no Planalto
Central. Escutei atentamente a explanação sobre a impossibilidade de realização
do meu projeto, mas fiquei pensando que a verdade residia no fato de os grandes
não saberem como executá-lo.
Estava mergulhado em minhas
lembranças quando a Louise me chamou novamente.
— Pai, você pode me ajudar com a
neve?
Fiz uma contraproposta.
— Só se, depois, você pensar
comigo em uma maneira de trazermos a praia para Brasília.
— Eba! Penso, sim!
Abri o congelador, raspei a mão
no gelo das paredes até encher um copo e levei-o para o quarto da minha filha.
Ainda não era a nevasca desejada, mas tínhamos o suficiente para espalhar pelo
chão e fazer suas bonecas esquiar. No canto e de biquíni, uma delas já
aguardava a iminente chegada do verão.
*Publicado originalmente em Veja Brasília, de 27.ago.2014
**Leia também as
crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
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