sexta-feira, 5 de setembro de 2014

REPUGNÂNCIA*


João José de Andrade Ferraz
                Estabelecimento original, aquele, pertencente ao Xavier; ficava na Rua São Pedro, entre Magalhães Filho e Coelho de Resende. De frente à São Pedro, mercearia onde (em pé, encostados no balcão) eminentes tomavam umas e discutiam ordem do obedecendo prioridades como futebol, mercado financeiro, piranha e política.
                Desses papos o proprietário fazia absoluta questão de manter distância, assim como não permitia encostar peru: ali pontificava elite dos frequentadores.
                À esquerda, estreito corredor dava acesso à residência da família; nos fundos, palhoça que reunia a mais fina flor da pilantragem – no bom sentido, claro.
                Entre os clientes, tabaréu de modos asselvajados que segundo comentários transava coisas de agiotagem, explorava comércio da fachada e tinha outras rendas. Mas o que amolava o Xavier eram outros motivos: o cara dizia pilhérias a domésticas da vizinhança, enfiava a mão nos tira-gostos, só contava piadas obscenas. Enfim, enchendo a freguesia, intrometia-se em conversas particulares; nas comuns, correntes, apenas ele tinha razão. Não dava lucro: exigia gelo, levava a própria bebida, quebrava copos, saía sem agradecer, desculpar-se ou se despedir. Um cricri!
                A respeito, afamado e gastador juris consulto dera parte do procedimento.
                Certa feita, lá atrás, sentado sobre a mesa e pés descansando num tambores, gritou:
                - Xavier! Manda aí esse teu moleque trazer gelo, pô!
                O adolescente – envergando uniforme do diocesano – demorou, ressentido, mas levou o gelo; pouco, mas levou.
                Então o leguelhé se serviu do litro (agitando o líquido com os dedos sujos), e aproveitou para entrar de sola no papo da roda. Já com opinião definida: contrária, lógico. Em assunto que nem lhe dizia respeito!
                Reforçada a dose, viu mosca que se debatia dentro do copo. A solução que encontrou para minimizar o prejuízo foi repugnante: retirou o inseto, deu-lhe duas chupadas – slurp! Slurp!, Jogou-o no chão e pisou-lhe em cima. Contente disse:
                - Vá beber uísque no inferno!...

*Do livro Apanhados do Cotidiano.

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