quarta-feira, 22 de outubro de 2014

DESCUIDO*


João José de Andrade Ferraz

                Advogado de Ofício (como então era designado o cargo), o... patrocinava cada demanda cabeluda...
                Detestava injustiça, por princípio; secundariamente abominava agiota, banco, penhorista, receptador e senhorio. Ai daquele que um miserável qualquer lhe batesse à porta solicitando arrimo: Comia fogo, porque fazia pouca ou nenhuma distinção entre expedientes legais e inortodoxos para assegurar e/ou resguardar direitos dos seus constituintes.
                “Aprenda, rapaz! O que realmente interessa é o resultado, não os meios” – gostava de dizer.
                Considerado o ângulo de tais peculiaridades, era querido e odiado; não exigia recompensas de agradecidos, e nem se abalava com carantonhas de incidentais desafetos. Peitudo, ele.
                Instantânea e recíproca simpatia servira para nos aproximar, apesar da marcante diferença de idade. Tínhamos, evidentemente, conformidade nos gostos; e, logo descobri, nutria por mim algo parecido com sentimento fraterno – talvez até paternal. Fique claro que demonstrei agradecimento e retribuição à boa amizade até a morte dele, que infelizmente assisti.
                Noite de domingo, pouco antes do carnaval de 1970. Depois do horário de noivado atravessei a Senador Pacheco a fim de bater papo habitual na porta da casa dele: espreguiçadeiras na calçada, cervejinha, prato com ovos cozidos.
                Daí avistamos casal que vinha descendo pela rua, na altura da Barroso.
                 - A moça ali não é..., filha do...? O galego, quem é?
                 - Ela mesma; não conheço o camarada, não.
                Quando emparelharam, a jovem parou e disse:
                - Boa noite. Doutor..., Ferraz. Quero lhes apresentar o Engenheiro que está trabalhando no asfaltamento da rodovia que liga Teresina e Picos.
                Tendo levantado primeiro, cumprimentei:
                - Como vai? – estirando a mão.
                À vontade, afundado na cadeira e meio caneado, o  ... bufou para se erguer. Ao conseguir deu-se o vexame: desamarrada, obedecendo à gravitação a calça do pijama caiu-lhe aos pés.
                Se estivesse de cuecas, menos mal: mas estava em pelo!...
* Do livro Apanhados do Cotidiano

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