A. J. de O. Monteiro
Era
mais ou menos assim, o tipo: chapéu de massa marrom ou preto, de abas largas,
para proteger da canícula, calça e camisa de linho branco, bem passadas e
engomadas; cinturão e sapatos mocassim também brancos, afinal o propagandista,
como se auto intitulava, era um profissional da saúde e para os profissionais
dessa área, as vestes brancas eram e são, ainda, marca registrada e símbolo de
status. Ele usava óculos tipo “ray ban”,
de lentes escuras, cultivava um fino e bem aparado bigodinho e, quando falava
ou sorria, deixava à mostra pelo menos um reluzente dente de ouro.
Nos
dias de feira ele chegava muito cedo as Praças da Bandeira ou Rio branco,
escolhidas, creio, pela proximidade com o mercado central e com o centro
comercial da cidade, pontos de convergência de seu “público alvo”: Pequenos
produtores rurais que vinham à cidade em dia certo da semana, vender os
produtos de suas roças e hortas e, ainda, animais de pequeno porte tais como suínos,
caprinos e ovinos, bem como aves (galinhas, capões e perus).
Os
pequenos produtores logo vendiam seus produtos para os atravessadores de
plantão e, com o apurado, faziam compras de gêneros alimentícios no próprio
mercado e se dirigiam ao centro para adquirir outros produtos de loja, como
peças de chita para a confecção de vestuário.
No
trajeto entre o mercado e centro, os simplórios agricultores, que se deslocavam
em grupo, encontravam, já devidamente instalado, o “propagandista”. Um pedaço
grande lona estendido no chão, onde depositava vidros de todos os tamanhos e
formas, arrolhados, com rótulos escritos à mão e envolvidos em papel celofane. Ao
seu lado, também no chão, o “propagandista”
colocava uma cobra empalhada, com um cigarro na boca... O apelo era: “DAQUI A
POUCO A COBRA VAI FUMAR”.
Quando
o número de passantes convinha, o “propagandista”, com o auxílio de um megafone
feito de flandre, por ele chamado de “boca de lata”, atacava: “Senhoras e senhores, peço um minuto de vosso
precioso tempo para lhes apresentar esta maravilha curativa trazida diretamente
da região amazônica. Esta poção, desenvolvida por pajés de tribos antigas, há
milhares de anos, é que deixa nossos índios livres dessas doenças de homem
branco... Como vocês sabem, índio não tem gripe, ‘tosse braba’, zonzeira, nó
nas tripas, espinhela caída, etc., e se vocês me perguntarem por que, em digo: é
esta maravilha que tenho na mão... Como vocês sabem, o índio trabalha o dia
todo e no dia seguinte, cedinho está de pé para começar tudo de novo e com
alegria... O homem branco, principalmente o trabalhador da roça, quando acorda pela manhã é com dores por todo
o corpo... Se alevanta faz ‘ai’, se acocora faz ‘ui’, bate num lado (dando uns
tapinhas na altura do fígado) é um bumbo, bate do outro é um pandeiro e de
noite, a ‘cumadi’ quer um chamego, o cabra corre da raia... Isso lá é vida”?
Lá
pelas tantas, a roda formada pelos agricultores (e por crianças na expectativa
de ver a cobra fumar), se as vendas
estão fracas, aparece um sujeito todo serelepe, gritando: - “Me dê cinco vidros
desse remédio milagreiro” - é o “AGÁ”, o
comparsa do “propagandista” que fica nas redondezas para incrementar as vendas,
quando estas estão fracas. O “propagandista” aproveita a deixa, pega o outro
pelo braço e ataca: “vejam minhas senhoras e meus senhores, por feliz
coincidência me aparece aqui este cliente que é a prova viva das maravilhas que
essa poção vai fazer por suas vidas... Este cidadão que está aqui, altivo e
sorridente, quando o conheci, era um trapo humano... Vivia no fundo de uma
rede, sem apetite, sem vontade de viver... Até para fazer suas mais simples
necessidades, tinha que ser ajudado por sua dedicada esposa... Agora vejam,
olhem para seu rosto corado e para seus olhos brilhantes... Hoje, quando a
esposa dele me encontra, vixe maria, só falta beijar minhas mãos e testemunha”:
- “Moço, aquilo é um santo remédio... Transformou o Zé num outro homem...
Trabalha o dia inteiro e ainda dá expediente na cama todo santo dias e, às vezes,
tem até hora extra...
Os
homens e mulheres simples da roça, envolvidos pela lábia do malandro, compram
vidros e vidros da águas e das pílulas de goma colorizadas com anilina e o safado
satisfeito e com os bolsos cheios parte para outra cidade e só retornará pelo
menos um ano depois com medo dos pacientes de então...
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