quarta-feira, 1 de outubro de 2014

PROPAGANDISTA



A. J. de O. Monteiro

                Era mais ou menos assim, o tipo: chapéu de massa marrom ou preto, de abas largas, para proteger da canícula, calça e camisa de linho branco, bem passadas e engomadas; cinturão e sapatos mocassim também brancos, afinal o propagandista, como se auto intitulava, era um profissional da saúde e para os profissionais dessa área, as vestes brancas eram e são, ainda, marca registrada e símbolo de status.  Ele usava óculos tipo “ray ban”, de lentes escuras, cultivava um fino e bem aparado bigodinho e, quando falava ou sorria, deixava à mostra pelo menos um reluzente dente de ouro.
                Nos dias de feira ele chegava muito cedo as Praças da Bandeira ou Rio branco, escolhidas, creio, pela proximidade com o mercado central e com o centro comercial da cidade, pontos de convergência de seu “público alvo”: Pequenos produtores rurais que vinham à cidade em dia certo da semana, vender os produtos de suas roças e hortas e, ainda, animais de pequeno porte tais como suínos, caprinos e ovinos, bem como aves (galinhas, capões e perus).
                Os pequenos produtores logo vendiam seus produtos para os atravessadores de plantão e, com o apurado, faziam compras de gêneros alimentícios no próprio mercado e se dirigiam ao centro para adquirir outros produtos de loja, como peças de chita para a confecção de vestuário.  
                No trajeto entre o mercado e centro, os simplórios agricultores, que se deslocavam em grupo, encontravam, já devidamente instalado, o “propagandista”. Um pedaço grande lona estendido no chão, onde depositava vidros de todos os tamanhos e formas, arrolhados, com rótulos escritos à mão e envolvidos em papel celofane. Ao seu lado, também no chão,  o “propagandista” colocava uma cobra empalhada, com um cigarro na boca... O apelo era: “DAQUI A POUCO A COBRA VAI FUMAR”.

                Quando o número de passantes convinha, o “propagandista”, com o auxílio de um megafone feito de flandre, por ele chamado de “boca de lata”, atacava:  “Senhoras e senhores, peço um minuto de vosso precioso tempo para lhes apresentar esta maravilha curativa trazida diretamente da região amazônica. Esta poção, desenvolvida por pajés de tribos antigas, há milhares de anos, é que deixa nossos índios livres dessas doenças de homem branco... Como vocês sabem, índio não tem gripe, ‘tosse braba’, zonzeira, nó nas tripas, espinhela caída, etc., e se vocês me perguntarem por que, em digo: é esta maravilha que tenho na mão... Como vocês sabem, o índio trabalha o dia todo e no dia seguinte, cedinho está de pé para começar tudo de novo e com alegria... O homem branco, principalmente o trabalhador da roça,  quando acorda pela manhã é com dores por todo o corpo... Se alevanta faz ‘ai’, se acocora faz ‘ui’, bate num lado (dando uns tapinhas na altura do fígado) é um bumbo, bate do outro é um pandeiro e de noite, a ‘cumadi’ quer um chamego, o cabra corre da raia... Isso lá é vida”?
                Lá pelas tantas, a roda formada pelos agricultores (e por crianças na expectativa de ver a cobra fumar),  se as vendas estão fracas, aparece um sujeito todo serelepe, gritando: - “Me dê cinco vidros desse remédio milagreiro” -  é o “AGÁ”, o comparsa do “propagandista” que fica nas redondezas para incrementar as vendas, quando estas estão fracas. O “propagandista” aproveita a deixa, pega o outro pelo braço e ataca: “vejam minhas senhoras e meus senhores, por feliz coincidência me aparece aqui este cliente que é a prova viva das maravilhas que essa poção vai fazer por suas vidas... Este cidadão que está aqui, altivo e sorridente, quando o conheci, era um trapo humano... Vivia no fundo de uma rede, sem apetite, sem vontade de viver... Até para fazer suas mais simples necessidades, tinha que ser ajudado por sua dedicada esposa... Agora vejam, olhem para seu rosto corado e para seus olhos brilhantes... Hoje, quando a esposa dele me encontra, vixe maria, só falta beijar minhas mãos e testemunha”: - “Moço, aquilo é um santo remédio... Transformou o Zé num outro homem... Trabalha o dia inteiro e ainda dá expediente na cama todo santo dias e, às vezes, tem até hora extra...
                Os homens e mulheres simples da roça, envolvidos pela lábia do malandro, compram vidros e vidros da águas e das pílulas de goma colorizadas com anilina e o safado satisfeito e com os bolsos cheios parte para outra cidade e só retornará pelo menos um ano depois com medo dos pacientes de então...   

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