quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

FLORES PARA LOUISE*



Daniel Cariello**

Louise, minha filha, adora flores. Em todos os seus desenhos — e são dezenas por dia — sempre há ao menos uma, ao lado de inevitáveis joaninhas, corações, sóis, estrelas e, mais recentemente, flocos de neve. Todos convivendo harmonicamente no mesmo papel, em lógica e cores que desafiariam Dalí e Van Gogh.
Outro dia fomos ao supermercado e ela encasquetou: queria um buquê daquelas rosas de origem e longevidade duvidosas expostas perto das caixas. Argumentei que estavam quase murchas, não tinham cheiro, não durariam etc. e tal, mas ela estava irredutível.
Resignado, campeei um ramalhete em melhores condições e o levamos para casa. Escolhemos para ele um vaso e um lugar especial na sala. E a Louise foi dormir muito satisfeita com as flores sem perfume, que ao menos traziam um pouco de cor ao ambiente.
Na manhã seguinte, como era de esperar, estavam esmarridas, as pétalas caídas sobre a mesa, os botões restantes olhando para baixo, as folhas raras pendurando-se ao caule com o resto de suas forças, certamente insuficientes para resistir não a uma rajada de vento, mas a um simples sopro.
— Pai, minhas rosas estão morrendo!
— Eu acho que já se foram, Louise.
— Ah, não!
 — Sinto muito.
— Pois eu acho é que você não sabe de nada. Elas estão vivas, quer ver? Vou cantar para elas. Você falou que gostam de música. E amanhã vão estar muito fortes!
Disse isso, levantou-se e colocou-se em frente ao vaso. Envergonhada, pediu para eu sair da sala e, do alto dos seus 4 anos e meio (o “e meio” ela faz questão de ressaltar, sempre), pôs-se a cantar A Linda Rosa Juvenil a plenos pulmões.
Fiquei de longe, em silêncio, observando o afeto daquela criança por suas flores. Ela queria salvá-las, e fez o que estava ao seu alcance. Infelizmente, a planta amanheceu o dia seguinte ainda mais despedaçada.
— Pai, não adiantou nada cantar.
— É claro que sim, Louise.
— Não, olha lá, estão mortas.
— Já estavam antes. E, se sua música pudesse salvá-las, certamente teria feito.
— Não teria nada. Eu nunca mais vou querer comprar flores, elas morrem sempre!
Sentei-a no meu colo e procurei a resposta adequada.
— Minha filha, tudo acaba um dia. Elas já estavam cansadas. O bom é que agora podemos comprar outras. Às vezes, chega uma hora em que precisamos trocar o velho pelo novo.
— Mas não queria que morressem. Eu gostava muito delas.
— Olha só: vamos escolher um vasinho com uma planta bem pequena e novinha. Assim, você vai cuidar dela regando, cantando e tratando bem, para ela crescer e dar lindas flores.
— Oba! Desta vez, vou querer que sejam verdes.
— Claro. Agora, vamos, precisamos sair. Ainda temos de escolher sua roupa para a festa de Ano-Novo.
— Vamos, pai.
*Publicado originalmente em Veja Brasília de 31.dez.14
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Uma lição sobre a vida, a morte, o desprendimento...