Daniel Cariello**
Louise, minha filha, adora
flores. Em todos os seus desenhos — e são dezenas por dia — sempre há ao menos
uma, ao lado de inevitáveis joaninhas, corações, sóis, estrelas e, mais
recentemente, flocos de neve. Todos convivendo harmonicamente no mesmo papel, em
lógica e cores que desafiariam Dalí e Van Gogh.
Outro dia fomos ao supermercado e
ela encasquetou: queria um buquê daquelas rosas de origem e longevidade
duvidosas expostas perto das caixas. Argumentei que estavam quase murchas, não
tinham cheiro, não durariam etc. e tal, mas ela estava irredutível.
Resignado, campeei um ramalhete
em melhores condições e o levamos para casa. Escolhemos para ele um vaso e um
lugar especial na sala. E a Louise foi dormir muito satisfeita com as flores
sem perfume, que ao menos traziam um pouco de cor ao ambiente.
Na manhã seguinte, como era de
esperar, estavam esmarridas, as pétalas caídas sobre a mesa, os botões
restantes olhando para baixo, as folhas raras pendurando-se ao caule com o
resto de suas forças, certamente insuficientes para resistir não a uma rajada
de vento, mas a um simples sopro.
— Pai, minhas rosas estão
morrendo!
— Eu acho que já se foram,
Louise.
— Ah, não!
— Sinto muito.
— Pois eu acho é que você não
sabe de nada. Elas estão vivas, quer ver? Vou cantar para elas. Você falou que
gostam de música. E amanhã vão estar muito fortes!
Disse isso, levantou-se e
colocou-se em frente ao vaso. Envergonhada, pediu para eu sair da sala e, do
alto dos seus 4 anos e meio (o “e meio” ela faz questão de ressaltar, sempre),
pôs-se a cantar A Linda Rosa Juvenil a plenos pulmões.
Fiquei de longe, em silêncio,
observando o afeto daquela criança por suas flores. Ela queria salvá-las, e fez
o que estava ao seu alcance. Infelizmente, a planta amanheceu o dia seguinte ainda
mais despedaçada.
— Pai, não adiantou nada cantar.
— É claro que sim, Louise.
— Não, olha lá, estão mortas.
— Já estavam antes. E, se sua
música pudesse salvá-las, certamente teria feito.
— Não teria nada. Eu nunca mais
vou querer comprar flores, elas morrem sempre!
Sentei-a no meu colo e procurei a
resposta adequada.
— Minha filha, tudo acaba um dia.
Elas já estavam cansadas. O bom é que agora podemos comprar outras. Às vezes,
chega uma hora em que precisamos trocar o velho pelo novo.
— Mas não queria que morressem.
Eu gostava muito delas.
— Olha só: vamos escolher um
vasinho com uma planta bem pequena e novinha. Assim, você vai cuidar dela
regando, cantando e tratando bem, para ela crescer e dar lindas flores.
— Oba! Desta vez, vou querer que
sejam verdes.
— Claro. Agora, vamos, precisamos
sair. Ainda temos de escolher sua roupa para a festa de Ano-Novo.
— Vamos, pai.
*Publicado originalmente em Veja
Brasília de 31.dez.14
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
Um comentário:
Uma lição sobre a vida, a morte, o desprendimento...
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