A. J. de O. Monteiro
Era
um sábado despretensioso como todos os sábados antecedentes ao carnaval 2015.
Lá estava eu sob a sombra de um frondoso oitizeiro do bar de D. Mariquinha –
lugar aprazível, garanto – quando uma forte lufada, vindo pelo lado sul, quando
o normal ali é o contrário. O vendaval repentino derrubou cadeiras e fez voar
as toalhas das mesas. Incontinente um arrepio tomou meu corpo e pensei: - “O
Mago está por perto”. Não deu outra. Logo ouvi o ronco do “rocinante”, apelido
que ele mesmo deu ao seu querido fusquinha... Estacionou e veio até a mesa em
que me encontrava, enquanto os funcionários do bar tratavam de recompor o
ambiente desarrumado pela ventania, estranhando o despropósito da mesma, mas
sem desconfiarem, ao menos, da sua causa que estava ali presente. O Mago
chamava aquele vento de “vento precursor”. Cumprimentou-me, tomou assento e
acomodou sua inseparável bengala de bambu vietnamita. Nessas ocasiões – em
bares, principalmente, Ele usava roupas comuns para evitar chacotas e suas
próprias reações.
Esperei
o fim de seu ritual de acomodação, para então perguntar: - “Então Mago, por
onde andou essa sumidade (sem trocadilho)? Há quanto tempo não o via”. Ele
pigarreou e disse que andara recolhido trabalhando em novas poções para a cura
da chicungunya. Doença que vem apavorando a população, principalmente aqueles
que, como ele, já andam curvados pelos anos... – “Mas - disse ele abruptamente
e no seu estilo – deixemos de prolegômenos e vamos ao que interessa”: “Vim
comunicar-lhe que neste carnaval serei homenageado pelo Grêmio Recreativo
Escola de samba Pau da Paciência”. “Serei o tema da Escola no desfile deste
ano, com todas as alegorias fazendo alusão à minha estória e às coisas
correlatas a ela. O samba enredo, composto pelos velhos sambistas da Escola tem
com título ‘Mago Manu, Dois Mil Anos de Sabedoria e Benemerência’. (depois
fiquei sabendo que o título fora sugestão d’Ele mesmo).
Meio
aparvalhado pelo inusitado da notícia, perguntei tentando disfarçar o riso: -
“Mas, Mago... dois mil anos”? No que Ele, com certo ar de indignação respondeu
professoralmente: - “É que vocês não entendem. Essa sabedoria de dois mil anos
é o conhecimento acumulado desde o mais antigo de nossa linhagem de magos.
Talvez você entenda melhor se associar à história em quadrinhos o ‘Fantasma Que
Anda’. O super herói tido como imortal, na verdade era uma linhagem onde os
filhos sucediam os pais quando este morriam ou envelheciam, sem que ninguém
percebesse o fato e a aura de imortalidade era preservada”. “O conhecimento que
tenho, prosseguiu Ele, é transmitido em minha linhagem, de geração para
geração. Entendeu”?! “No entanto, caro amigo, como você sabe, a GRESPP é
carente de recursos fiduciários para fazer frente ás despesas de um desfile
dessa magnitude (Mago não é nada modesto). O dinheiro disponível, do auxílio da
prefeitura, não da para confeccionar as fantasias, carros alegóricos e
alegorias de mãos. Sei que você não dispõe de grana e por isso gostaria que
intercedesse junto aos nossos amigos mais abastados para angariar o
necessário”. “Fale, pois, com Jaconias Bardo, com Erosdito Pau D’Arco e com o
Esculápio Rodrigues”. “Eles têm ‘bala na agulha’.”
Assim
fiz. Procurei os amigos recomendados e lhes expus a pretensão do Mago. No
início não acreditaram, pensaram tratar-se de um chiste. Mas, tanto insisti que
eles ficaram convencidos e contribuíram generosamente com quantia bastante para
atender as perspectivas do Mago. Todos o admiravam e também temiam o velho
Mago. O Mago, agradecido, disse-me que recompensaria aos três com votos de
bonanças eternas.
Passaram-se
os dias e chegou o carnaval. Fui ao sambódromo de Cajuína entre ansioso e
preocupado pois temia que as emoções da festa e o esforço físico viessem abalar
a saúde do meu amigo. De repente o sistema de som anunciou o início do desfile
do GRESPP. O puxador de samba, o Branquinha da Paciência, com os chavões de
praxe fez a escola se mover. O público foi ao delírio e o samba enredo passou a
ser cantado por um coro de não sei quantas mil vozes. Aquilo me emocionou
sobremaneira.
O
percurso do sambódromo de Cajuína é pequeno, cerca de 500 metros, da área de
concentração até a praça da apoteose. Logo avistei o Mago. Vinha ele apoiado em
sua vistosa bengala e trajando o seu roupão branco que o cobre do pescoço aos
pés e com mangas “boca de sino” que chegam as suas mãos (Ele diz que a veste é
feita com linho indiano e que foi um presente de Mahatma Gandhi ao seu
antecessor na linhagem). Na cabeça o indefectível barrete com pompom, caído
para o lado esquerdo. Num determinado momento, tocado pela emoção, Ele começou
a saracotear e voltear, girando a bengala como um bastão de baliza, levando a
multidão ao desvario. E saracoteava e volteava com empolgação jamais vista no sambódromo.
De repente sai da multidão um brutamontes ruivo e vermelhão, trajando um kilt, se
lança sobre o Mago, cingindo-o por completo. Tira-lhe o barrete e tasca-lhe
beijos e mais beijos sobre a calva. O pobre esperneia, tenta erguer a bengala
para atingir o miserável, mas, franzino que é, nada conseguia. Em seu socorro acorreram
os seguranças da escola que, a muito custo conseguiram dominar o monstro que, enquanto
era arrastado para longe do Mago, berrava: - “Venha Mago, venha comigo para a
Inglaterra, o Rei Artur precisa de nós para enfrentar os saxões. Você é e
sempre será o nosso mago Merlin”.
Nisso
o Mago, o nosso, bufando e soltando faíscas pelos olhos abria caminho na
multidão distribuindo bengaladas em que ousasse aproximar-se. Saindo do estupor
corri em busca do Mago e na passagem avistei seu barrete caído no chão e o recolhi.
Voltei a correr na direção que Ele havia tomado e metros à frente o encontrei
sentado em uma coisa que me pareceu uma égua de gesso – alegoria que alguma
outra escola de samba abandonara por ali. Aproxime-me cautelosamente ouvindo
sua respiração ofegante. Estendi-lhe o barrete que Ele recebeu e só então
ergueu a cabeça e, horrorizado, pude ver o fenômeno: Seu olho direito expressava
fúria, enquanto o esquerdo expressava ternura e gratidão. Nunca esquecerei
aquilo. Com um gesto fez-me entender que queria ficar só e obedeci. Tomei o
rumo de casa, pensando na surpresa que ele preparara. Segredo que confiara somente
a mim e que o maldito escocês atrapalhara. Como “gran finale” o Mago daria uma
volta completa na praça da apoteose levitando a 15 centímetros do solo. Escocês
FDP!
Nenhum comentário:
Postar um comentário