Daniel Cariello**
Caraca, hoje o sol está de
lascar. E o pior é que tem essa reunião importante aqui no centro e me disseram
pra vir de terno. De terno, fala muito sério! Só uso em formatura e casamento.
Acontece que já faz uma era que nenhum amigo meu se forma ou se casa. E agora
muitos deles têm preferido é se descasar, o que pode justificar uma grande
festa, mas jamais um terno.
Como alguém pode vestir um treco
desses no calor do Rio de Janeiro? É cruel. O astro rei fritando impiedosamente
as ideias causa alucinações. Não entendo como os cariocas podiam se vestir
assim em outros tempos. Outro dia vi umas fotos da cidade no início do século
passado e lá estava todo mundo de gravata e paletó. Aliás, como aquele carinha
ali na frente. E o outro ali ao lado, que até chapéu está usando. São loucos,
como eu devo ser.
A Rio Branco está diferente ou é
impressão minha? Deve ser impressão, esse sol irrogando miragens. Preciso
respirar um pouco. Vou me abrigar debaixo daquela árvore o tempo de secar o
suor.
- Ei, olha pra frente! Se causa um
acidente quem vai preso sou eu!
- Perdão, perdão.
O condutor do bonde tinha razão,
afinal era eu quem cruzava desatento a avenida Central. Mas, pudera, agora as
ruas estão sempre cheias. Não bastassem os bondes, as charretes e os cavalos,
agora também há os automóveis a infestá-las. Leva tempo para se avezar aos
novos costumes…
Novos como esse deslumbrante
Palácio Monroe. Que exemplo de architectura! A nossa cidade está se embelezando
a olhos vistos. Será mesmo a Paris dos trópicos. Uma constucção commo esta há
de durar para sempre. Os hommens que virão saberão admirar e cuidar do nosso
património, pensando apenas no bem-commum.
Ocorre-me agora observar também
os demais transeuntes da praça. Ao longe, destaca-se um senhor encatarrhoado,
coberto por um capote, pigarreando alto e deitando seus escarros na rua.
Embuçado assim, com um calor dêsses, só pode mesmo estar doente, o pobre. E
aquellas mulheres de ordem, com seus hábitos a se lhe cobrirem inteiras, se
ainda não o estiverem, estarão muito em breve.
Um sorteiro sob a árvore ao lado
tenta adivinhar o futuro das damas que lho pagam muitos reis. A sorte dellas eu
não saberia vos informar, mas garanto-lhes que suas economias terminarão no
bolso delle.
Enquanto isso, próximo ao
Theatro, um ajuntamento observa um protervo sênhor desfilar seus desafôros a um
outro. O motivo, parece, é que êste passou a mão próximo das ventas daquêle,
que revidou atirando-lhe o chapéo. Nenhum passante parece desejoso de estremar
a situação. Todos preferem assistir ao espectáculo, enquanto um sorveteiro
comercializa suas gulozeimas.
Fatigado e com calôr, decido
voltar a casa. Subo no primeiro bond que passa e procuro moedinhas no meu
bôlso, mas não as encontro. Continuo as procurando, com certa vagareza, até
sentir uma cutucada nas costas.
- Aê, doido. Dá pra dar uma
licencinha? Vou descer na próxima e ainda tenho que pagar.
- Claro. É que estou meio
perturbado com essa quentura toda.
- A parada tá mesmo sinistra.
Também tô derretendo, maluco.
Sento no banco da frente do
ônibus, tiro o paletó, afrouxo a gravata e abro a janela. Estou mesmo
precisando tomar um ar. Ao virar a esquina, vejo o Palácio Monroe. Esfrego os
olhos e ele já não mais está.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
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