Daniel Cariello**
Bom dia, Seu
Antônio. Bom dia, presidente, tá chique hoje! Chique, seu Antônio? Só coloquei
uma calça jeans. Então, pra quem vive de bermuda, calça jeans é quase terno.
Obrigado, mas pode esquecer essa história de presidente, não mando em nada.
Você é presidente da sua própria existência. Quem me dera, seu Antônio. Depois
que virei pai, meu poder de decisão sobre minha vida se limita a escolher entre
doce de leite ou iogurte na sobremesa. Sei como é, meu filho, mas no meu caso o
iogurte já acabou.
Faz tempo que
é porteiro? Onze anos. Tenho sessenta e seis. E antes, fazia o quê? Copeiro do
Banco do Brasil. Gostava? Gostava, mas começou a cansar as pernas. Aqui é
melhor, chego cedo, fico sentado, bato papo e vejo o biguibrod. Vê o quê? O
biguibrod, aquela TV ali com câmera pra todo lado, mostra quem entra, quem sai,
quem sobe, quem desce, quem chama, quem espera, quem tudo. E dá pra acompanhar?
Dá, mas de vez em quando eu tonteio todo de tanta TV e abro a porta da frente
achando que é a de trás, a de trás pensando ser a garagem e a garagem
imaginando atender o interfone. E é verdade o que dizem por aí, o síndico
controla as câmeras da casa dele? Olha, o povo fala de tudo, mas eu não sei de
nada. Tá certo. Vou sair. Abre a porta pra mim? Abro, claro.
Seu Antônio,
abre a porta, por favor! Seu Antônio, aqui fora. Onde? Agora vi! Obrigado. De
nada, mas você não tava aqui agora mesmo, presidente? Tava, mas saí e voltei.
Voltou tão rápido que não deu nem tempo de ir. Era coisa simples, só fui
comprar um parafuso do outro lado da rua. Pois não precisava, aqui na gaveta
tem aos montes. Também tem aos montes lá em casa, menos o que eu preciso. É
sempre assim,
Você de novo,
presidente? Voltei, o parafuso não era o certo, ficou solto no furo, não tenho
grandes habilidades de bricolagem. E o que colagem tem a ver? Parafuso se
parafusa, não dá pra usar cola. Bricolagem, seu Antônio, esses pequenos
serviços manuais. Tá certo. Vou trocar ali na loja.
Seu Antônio,
tô aqui fora, pode abrir? Ô, presidente, vai desculpando, não te conheci no
biguibrod, você tava de lado, não deu pra ver o rosto. Tudo bem, mas a
campainha não tá funcionando? Apertei que nem um doido. Ah, o barulho era da
campainha, tava pensando que vinha do rádio. Trocou o parafuso? Troquei. Agora,
vai.
Presidente,
vai me dizer que o parafuso não funcionou. Funcionou nada. Deixa ver. Tenho o
que você precisa aqui na gaveta. Leva esses dois.
Seu Antônio,
seu parafuso resolveu. Toma aqui o que sobrou. Fica de presente, presidente,
ainda vai ser útil. Aproveita e joga uns velhos fora. Valeu! A gente adora
acumular coisa inútil e aí não sobra espaço pro necessário. E como descobrir o
que é necessário, seu Antônio? Ah, isso a gente vai aprendendo, presidente.
* https://www.facebook.com/cartasdaguanabara
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br.
* https://www.facebook.com/cartasdaguanabara
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br.
Um comentário:
Cada vez melhor!
Mqnoel Emilio
Postar um comentário