Daniel Cariello**
Eu, como bom
aquariano que não nega sua racionalidade, sou descrente de horóscopo. Não sei
onde está minha lua, em que quadrante se encontra Mercúrio ou se Vênus vai
colidir com Saturno (e quais as consequências disso, além de uma hecatombe
espacial).
No entanto,
identifico-me com características atribuídas ao meu signo, talvez de tanto
tentarem me imputá-las. Um dos traços mais ressaltados é a descrição dos filhos
de aquário como seres solitários, e me vejo perfeitamente representado aí. Fico
muito bem em minha própria companhia, adoro viajar sozinho e não me incomodo de
permanecer em casa sem ver ninguém durante dias a fio.
Depois que
casei e virei pai, ficou mais complicado levar essa solidão adiante. Não me
queixo, que fique claro. Adoro a vida em família. Mas estou sempre tão cercado
de assuntos e pessoas que já ando celebrando o momento de ir buscar um copo
d’água sozinho na cozinha.
Pra
desanuviar, gosto andar sem rumo pelas ruas (aquarianos precisam de espaço,
pois pertencem a um signo de ar, dizem os estudiosos dessas ciências).
Invariavelmente, coloco fones no ouvido. Às vezes os preencho com música. Às
vezes, com silêncio. Mas os fones são a garantia que ninguém interromperá meu
exílio interior voluntário.
Outro dia entrei
em um café no Flamengo e pedi um expresso, tentando retomar hábito corriqueiro
de quando morava em Paris. Na França, você pode comandar uma xícara da bebida e
passar um dia inteiro ocupando uma mesa, lendo, escrevendo ou apenas observando
tempo e pessoas passarem, e não será incomodado. Café e solidão era tudo o que
eu buscava naquele momento.
O expresso
chegou trazido pelo garçom, que não parava de mexer a boca. Desliguei a música
que berrava em meus ouvidos e pedi pra repetir. Perguntou se precisava de algo
mais. Disse não e agradeci, retornando à estridente guitarra de Bombino. Passei
a alternar pequenos goles de café e longas contemplações daquele micro universo
à minha volta, com a visão desfocada de qualquer ponto, embalado pela música,
pelo dialeto niger, pelo ritmo tuareg, pelas melodias incomuns, pelo conjunto
baixo-bateria, pelo solo distorcido, pelo garçom que se aproximou certeiro e
parou à minha frente e se pôs a movimentar o maxilar enquanto me encarava como
se eu tivesse dois narizes. Respirei fundo, pausei a trilha sonora e solicitei
que falasse novamente.
— O café estava bom, senhor?
Olhei
fixamente para ele e senti vontade de derramar um bule de água fervente pela
sua goela abaixo, como punição por ter interrompido um valioso e raro momento
de êxtase solitário.
Mais tarde,
comentei o episódio com um amigo astrólogo amador e ele me disse que aquariano,
apesar de pacífico, às vezes pode partir pra soluções violentas.
Sorte do garçom que não acredito em horóscopo.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br
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