João José de Andrade Ferraz
A notícia da
existência do lugar (e seus atrativos) surgiu de uma hora para outra. Como
novidade alternativa. Pertinho do Centro, coisa de cinco minutos – de carro;
rua apagada e meio escondida, paralela a movimentada avenida da Zona Sul.
Vencido pelo
empenho, conheceu misto de bar e restaurante; e se alguém estivesse a fim,
também era ponto de contatos para escapadelas sem maiores compromisso. Assim de
aprovar, aproveitar, despedir e pagar – tchau e bênça.
Durante a
semana, apenas cervejinha ou dose rápidas.
Para variar,
nas sextas à noite, durante o sábado e no domingo – até certa altura –
acontecia e havia de tudo.
No convívio, a
patroa quarentona (segundo dizia e depois foi verificado que era verdade)
encheu-se de amor unilateral e platônico pelo novo cliente que, por conta do
prestígio, tomava a cerveja mais gelada – em copo separado, que vinha rangendo
de tão bem lavado; o gelo era especial, a dose chorada. Dos tira-gostos (mesmo
alheios) merecia os melhores pedaços: fossem de galinha – eram o coração, os
encontros, o fígado, a moela, o pescoço, o sobrecu...
Detalhe:
sempre pagou a consumação.
Sendo ela
espécie de mantenedora e orientadora familiar, a parentela interiorana – sem
exceção – rendia homenagens (mesmos que falsas) ao protegido. Cada uma matutona
feia...
Nada dura para
sempre... O local se tornara rapidamente conhecido, e o nível das presenças
desceu a profundidade abissal. Os mais vividos notaram logo significativa
mudança – para pior.
Exemplo: a
atenção diminuiu, a comida piorou, os preços inflacionaram-se absurdamente, as
garrafas pariam e as doses se multiplicavam. Por precaução anotava-se fornecimento
e as contas nunca batiam; outras, antigas e quitadas, eram descaradamente
reapresentadas.
Comentários
sobre o mau proceder eram assim:
— Vou deixar
de andar aqui; isto já prestou...
— Concordo; eu
também vou.
— E eu.
Como o
queridinho esteve viajando, ao retornar se viu diante de pendura
estratosférico.
— Fulana,
venha cá! – crescido nos cascos.
Demorou; e
quando resolveu aparecer, veio se desmanchando.
— O que é, meu
lindo?
— Lindo coisa
nenhuma... Que diabo de conta é esta? Não estava nem por aqui, pô!
— Você só paga
se quiser, “bem”; sabe disso...
— Pra você, ó
– mostrando – vou pagar esta porcaria sem dever. Pode sair daqui... – enfezado.
Abrindo a
capanga, viu que no talão de cheques só restava a requisição; aproveitando o
momento, resolveu indispor. Preencheu-a como se fora cheque e a entregou,
avisando:
— Taí; tudo
zerado. Não me apareça mais com outra conta.
— Certo... –
encafuando-se casa a dentro.
Mas era boa em
escrita pra enrolar incautos. Dengosa, encostou.
Enche esses
depósitos aqui pra mim... – uns bons dois dedos (de altura) de cheques.
Organizou-os por ordem de valores
(inclusive, e de propósito, o “cheque” requisição), relacionando-os no
formulário.
Era
correntista no mesmo bando onde ela mantinha negócios.
Na segunda,
soube do resultado. O gerente, vivo, refez o depósito e mandou autenticar; ao
documento juntou talonário do requisitante. Telefonou, avisando:
— Fulana, manda
apanhar o depósito. Junto vai um talão de cheques pro... – designando. –
Entrega pra ele, faz favor. Ah, parece que tem gente te gozando... – mas não
entrou em detalhes.
Ela não
entendeu; entregou o talão intacto. Também nunca recebeu o indevido, nem reclamou.
Algum tempo
depois, num domingo – intervalo do Fantástico – o triste comunicado.
Havia morrido,
num acidente automobilístico horrível, ali depois do balão da Tabuleta; com
ela, neto único e um dos sobrinhos – meninos pequenos...
*Do livro Registros de Memória
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