Daniel Cariello**
Ele não imaginava que o único conhecimento culinário que adquiriu em sua temporada francesa fosse lhe render tanto.
— E aí você coloca coentro.
—Coentro?
- Isso. Mas não pode pôr muito.
Só salpicar um pouquinho assim, ó.
A dica gastronômica ganhou ares
de grande revelação, impulsionada pelo fato de João Pedro - que agora só
aceitava ser chamado de Jean Pierre - ter trabalhado em um restaurante
parisiense. Lá, fez as vezes de garçom e lavador de louça. Nunca fritou nem um
ovo. Mas é claro que ninguém precisava saber do detalhe.
— Sabe, no Au Canard Heureux a
gente sempre tinha coentro fresco.
— E é tão diferente assim?
— Uh la la, nem te falo.
Acontece que um famoso chef de
cozinha, em uma dessas coincidências mirabolantes da vida, disse na TV em
horário nobre que coentro fresco era o segredo da boa culinária francesa. No
dia seguinte, a Tijuca inteira comentou o fato.
— Você viu aquele chef no jornal
de ontem, antes da novela?
— Vi sim. Ele falou do coentro.
— E João Pedro já dizia isso bem
antes.
— João Pedro, nada. Jean Pierre!
Jean Pierre virou celebridade
instantânea e passou a ser tido como uma referência, não apenas culinária. Em
qualquer assunto, de moda a mecânica de automóveis, todo mundo passou a
consultá-lo antes de tomar decisões.
— Esse vestido está bom, Jean?
— Tá muito rouge. Tenta algo mais
bleu.
— Qual vinho combina com carne
vermelha?
— Nada nesse mundo é melhor do
que um bom Côtes du Rhône, safra 2001.
— Jean, meu carro tá engasgando
há tempos.
Com a fama repentina, decidiu
criar o próprio negócio. Alugou um cafofo, comprou um par de cadeiras, uma mesa
e um sofá e mandou colocar na entrada da rua uma placa em letras garrafais:
“Jean Pierre, consulteur professionel. Você não sabe o que quer? Chame Jean
Pierre.” E passou a vender dicas a preço de ouro.
— Tô pensando em plantar tomates.
O que você acha?
— Tomate é démodé. Planta
abacaxi. Abacaxi é a nova sensação.
— Muito obrigado!
— De rien. E passa ali no caixa, na
saída.
— Jean, minha mulher quer me
deixar. Parece que ela se engraçou com um garotão mais novo. O que eu faço?
— Deixa a mocra sumir. Compra uma
passagem pra Paris, pega um pandeiro e vai batucar perto da Torre Eiffel. Você
vai descolar uma francesa em meia hora.
— Nossa, nem sei como
agradecer...
— Pode começar fazendo um cheque.
Jean
Pierre passou a ser o cara do momento. O mais cool de todos. Se usasse calça
cor de abacate, no dia seguinte todo mundo estava com uma igual. Se cortasse as
madeixas em forma de rabo de poodle, não demorava pra haver fila nos
cabeleireiros do bairro. Se falasse uma expressão em francês – “je suis désolé”,
por exemplo -, até as criancinhas começavam a repeti-la. Era a fama que ele
nunca imaginou. Tinha até que sair disfarçado de casa, para não ser atacado por
admiradores histéricos.
Mas
o sucesso, no galope que veio, foi-se também.
Um
dia, ao chegar ao escritório, Jean estranhou: não havia a habitual fila, de
dobrar quarteirão, lotada de gente esperando a vez de ser atendida. Na verdade,
não havia ninguém. Nenhuma alma, viva ou penada.
Achando
que fosse uma espécie de brincadeira, abriu a porta da sala, esperando
encontrar uma multidão enfurecida lá dentro. Mas estava vazia. Desorientado,
saiu às ruas, tentando entender o que tinha acontecido. Não demorou, deu de
encontro com uma fila babilônica, ainda maior do que a que havia habitualmente
em frente ao seu escritório. Entrou nela, como quem não quer nada. E puxou papo
com uma senhora de idade já avançada.
— Que fila é essa, madame?
— É para ver o Mathäus Kaninchen.
— Mathäus Kaninchen?
— É o novo guru alemão. Sabe
tudo. Dizem até que cura unha encravada só de olhar pra ela.
— Como é que nunca ouvi falar?
— Ele era conhecido como Mateus
Coelho.
— O Mateus limpador de privada,
casado com a Úrsula, a mulher barbada do circo?
— Esse mesmo. E ele é ex-limpador
de privada. Aliás, ex-bombeiro hidráulico. Mais respeito, viu?
Aflito, e ainda disfarçado, Jean
quis saber mais.
— E o Jean Pierre?
— Quem?
— O guru francês.
— Coisa do passado.
— E como isso aconteceu de um dia
pro outro?
— Você não viu? Ontem o homem da
TV falou que o segredo do bom chucrute é colocar um pouquinho de suco de maçã
em cima do repolho. E o nosso Mathäus já dizia isso há muito tempo.
— Mas o Mateus...
— Mathäus!
— Mas o Mathäus é um charlatão.
Nunca cozinhou na vida.
—Que coisa mais feia, moço. Isso
não passa de Neid.
— Neid?
— Inveja, em alemão.
* https://www.facebook.com/cartasdaguanabara
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br
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