Daniel Cariello**
Botou
pra lavar a camiseta vermelha e foi pra cama, mas não conseguiu dormir. Logo os
fogos estraçalharam o silêncio da noite pesada e lenta e transpassaram os
tampões de orelha, companheiros das noites insones. Ele levantou-se. Já sabia o
que havia acontecido, todos sabiam. Pensou em voltar à tentativa de repouso,
mas não poderia deixar de observar aquele instante, que entrava para a história
enquanto ia acontecendo.
Abriu
a janela lateral à Rua das Laranjeiras e deixou entrar o peso do momento, em
gritos vindos de todos os lados. Eram muitas vozes e panelas, dezenas, mas
nenhum rosto, todos estavam escondidos na penumbra de meia-noite. “Puta!”, “Vai
embora!”, “Leva o barbudo junto!”, “Ordinária!". Final de copa, o Brasil
metendo sete gols na Alemanha.
Ficou
observando como quem assiste a um filme. Mero espectador da realidade, chocado
demais para esboçar qualquer reação. Testemunhou quinze minutos daquela cena,
até que alguém quebrou a unanimidade, solitário, desesperado. “Vocês estão
loucos! Vejam o que fizeram! Não percebem que são vocês as vítimas?”.
As
vozes, saciadas, foram aos poucos se recolhendo. Restou apenas a contraditória,
rouca. “Loucos, estão loucos! Isso é contra vocês! Não veem?”. Ao longe, alguém
bateu palmas em solidariedade. Ele acompanhou. Retornou ao leito, triste, mas
com a certeza de que, dali pra frente, não estaria sozinho.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário