quinta-feira, 5 de maio de 2016

DIA DEZESSETE*


Daniel Cariello**
               
              Botou pra lavar a camiseta vermelha e foi pra cama, mas não conseguiu dormir. Logo os fogos estraçalharam o silêncio da noite pesada e lenta e transpassaram os tampões de orelha, companheiros das noites insones. Ele levantou-se. Já sabia o que havia acontecido, todos sabiam. Pensou em voltar à tentativa de repouso, mas não poderia deixar de observar aquele instante, que entrava para a história enquanto ia acontecendo.
               Abriu a janela lateral à Rua das Laranjeiras e deixou entrar o peso do momento, em gritos vindos de todos os lados. Eram muitas vozes e panelas, dezenas, mas nenhum rosto, todos estavam escondidos na penumbra de meia-noite. “Puta!”, “Vai embora!”, “Leva o barbudo junto!”, “Ordinária!". Final de copa, o Brasil metendo sete gols na Alemanha.
               Ficou observando como quem assiste a um filme. Mero espectador da realidade, chocado demais para esboçar qualquer reação. Testemunhou quinze minutos daquela cena, até que alguém quebrou a unanimidade, solitário, desesperado. “Vocês estão loucos! Vejam o que fizeram! Não percebem que são vocês as vítimas?”.
               As vozes, saciadas, foram aos poucos se recolhendo. Restou apenas a contraditória, rouca. “Loucos, estão loucos! Isso é contra vocês! Não veem?”. Ao longe, alguém bateu palmas em solidariedade. Ele acompanhou. Retornou ao leito, triste, mas com a certeza de que, dali pra frente, não estaria sozinho.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

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