quinta-feira, 21 de abril de 2016

ESPIÕES VIRTUAIS*


Daniel Cariello**

— Aí você desce na última estação do metrô. Vai ter um sujeito que é a cara do Cid Moreira te esperando, comendo um bauru. Você chega pra ele e solta a senha, "os lobos não sentem medo jamais".
— E a contrassenha?
— "A não ser nos filmes de Hollywood".
— E depois?
— Depois, entregue a pasta e vá embora, sem dizer mais nada.
— Peraí, vou anotar.
— Tá doido? Anota não. Vai que o Hermes te encontra no caminho? Decora. Grava só na tua cabeça. E se perceber algo estranho, não pare. Siga reto e pegue um táxi, o primeiro ônibus que passar, sei lá. Dá no pé rapidinho.
— E como eu vou saber quem é o Hermes, se ninguém conhece seu rosto?
— Acredite, você vai saber. Mas lembre-se do mais importante: só use o botão vermelho em último caso.
               Era o primeiro trabalho de Waldick como espião. E tudo o que ele sabia sobre o assunto era o que tinha lido na Wikipedia e no forum online "O espião sem coração". É verdade que seu empregador, o enigmático Senhor F, também não parecia ser dos mais experientes, pois chegou ao Waldick por meio de um anúncio em um site de empregos. Mas, afinal, aquele era um trabalho fácil, bastava entregar a pasta.
               Acontece que o Waldick teve um encontro inesperado no metrô.
— Waldick?
— Hã?
— Eu...
— Já sei. Você é o Hermes!
— Hermes?
— Eu seria capaz de reconhecê-lo em qualquer lugar, mesmo nunca tendo te visto antes.
— Calma.
— Aconteça o que acontecer, eu nunca vou entregar a pasta pra você.
— Que pasta, Waldick?
— O Senhor F me alertou que isso poderia acontecer. Que você viria à minha caça. Ele disse: "cuidado com o Hermes, ele não dorme no ponto".
— Estamos no metrô, Waldick. Ponto é de ônibus. E eu dormi muito bem essa noite.
— Ele também me preveniu das suas técnicas de dissimulação. Avisou que você era capaz de confundir qualquer um, Hugo.
— Não era Hermes?
— Tá vendo? Já tá conseguindo até embaralhar minhas ideias.
— Mas, Waldick...
— Não chegue perto, Hermes. O Senhor F me disse que eu poderia usar o botão vermelho. E estou pronto para isso!
— Tá maluco, Waldick? Que história é essa de Hermes, pasta, Senhor F e botão vermelho? Sou eu, o Santiago, do futebol de domingo lá na casa do Pedrão.
— Santiago?
— É, Waldick.
— Da casa do Pedrão, anos atrás?
— Isso.
— Mas o Santiago tem barba, eu me lembro. Olha, Hermes, conheço bem as suas.
— Não tem Hermes nenhum. Sou eu mesmo, o Santiago, agora em versão sem barba. Aquele que todo mundo chamava de "o magnata da pequena área".
— Era "o carniceiro da pequena área".
— Nossa, faz tanto tempo que até me confundi.
— Sei não. O Santiago era mais magro.
— E você era menos careca, Waldick.
— Como eu vou saber se o Santiago é você mesmo?
— É fácil. Quer que eu dê um carrinho em você aqui no metrô?
— Ô, Santiago. É você mesmo. Por que não disse antes?
— Eu tentei.
— Vai desculpando aí. Tô meio estressado hoje.
— Não esquenta, Waldick. Coincidência eu te encontrar no metrô. Tava mesmo pra te ligar e avisar que o futebol do Pedrão voltou.
— Voltou?
— Voltou. Domingo agora tem pelada, no horário de sempre.
— 16h?
— 16h.
— Tô envergonhado, Santiago.
— Tem problema não. Domingo à tarde, hein? Não esquece. E pode levar a Virgínia.
— Regina.
— Isso.
— Bom, até domingo.
— Até.
               Ambos descem na última estação. Waldick vai para um lado. Santiago vai para o outro, e pega o celular.
— Senhor Q? Aqui é o Hermes. Encontrei o Waldick. Quase me desmascarou. Ameaçou até usar o botão vermelho... O que eu fiz? Tive que jogar uma conversa de futebol na casa de um tal Pedrão. Como sei? Vi no Feici, né? Sim, sim, ele tá com a pasta. O que eu faço agora?
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

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