Ananda Sampaio*
Coloco
a mão no bolso e em forma de concha ela retorna com algumas poucas moedas.
Troco do pão, da farmácia, do ônibus. Será que juntando tudo daria pra comprar
uma empada? Contei, recontei. Desapontada, percebi que não. E pensei que dizer
não para o estômago é umas das coisas mais difíceis da vida.
Quantas
pessoas no mundo sentem fome nesse exato momento? Milhões, bilhões. Miró usava
a sensação da fome para pintar, li em algum lugar, ir mais fundo no seu
inconsciente. Lembro que passei dias extasiada com essa informação. Será que
mais alguém se pergunta isso agora? Mais alguém no mundo, vasto mundo, estará
agora se angustiando, como eu, ao pensar que a fome é uma constante tão triste
na vida de tanta gente? Creio que sim, talvez ela também esteja pensando em mim
como estou pensando nela. Pena que não nos conhecemos ainda.
Voltando
a esse negócio de dizer não tenho muitas considerações a fazer. Dizer não é
sempre mais difícil, parece ser sempre a prova, a avaliação, o momento de
reafirmação. Dizer que não ama alguém, como é esperado, é doloroso, porém
honesto. Dizer não para o filho que chora, é desgastante, mas necessário. Dizer
não àquela proposta indecorosa é resistir. Num país de corruptos, dizer não é
quase uma celeuma, talvez cada vez que alguém diga não à alguma atividade
espúria uma fada nasça no mundo das fadas ou a esperança se torne menos
capenga.
Dizemos
não e sentimos fome. Porque a fome é fruto do que não temos, do que não
deglutimos, do que não absorvemos. Talvez quem diga não viva mesmo com fome.
Mas a tal fome daquele outro tipo. A gente se pega triste pelos cantos,
amortecidos, coração em frangalhos que continua a bater, apenas em consolação.
Fome de fé, fome de acreditar, fome de humanidade — no sentido mais bonito que
essa palavra pode aferir e não ferir.
Não
é a empada que me faz falta agora, retorno as moedas para o fundo do bolso.
*Jornalista, estudante de Letras, leitora e aspirante (suspirante) escritora. Integrante do@coletivoleituras
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