sábado, 21 de maio de 2016

LICENÇA POÉTICA*


Daniel Cariello**
— Ô, biscoito.
— Aê!
— Quanto tá?
— Seis temers.
— Não tô perguntando o preço do lote, só de um pacotinho.
— É isso aí, seiszão, tá fresquinho, vai?
— Mas como isso aconteceu?
— Os maluco da fábrica fizeram o biscoito ontem e eu comprei hoje. Tá cocrante.
— Não, o preço, como ele subiu tanto?
— Licença poética.
— É o quê?
— Licença poética. Explico. Esse presidente aí não é poeta?
— Parece que é.
— É, sim, curte o que ele escreveu: “Embarquei na tua nau sem rumo. Eu e tu...”
— Calma, calma, acredito em você. Pode pular essa parte de recitar.
— Então, acompanha. O artista chegou à presidência tocando o terror, mudando as regras, passando por cima de tudo e o diabo.
— Verdade.
— Quer dizer que as leis agora tão de licença, concorda?
— É.
— É a licença do poeta. Poética. Sacou?
— Boa lógica.
— Então, se o cara faz isso, tô só embarcando na sua nau.
— Na minha?
— Não, maluco, na dele!

— Mas esse seu barco vai afundar. Todo mundo na praia vende a quatro reais, ninguém vai comprar sua bolacha de seis.
— É biscoito. Mas aí entra a malandragem. Se o cliente dá aquela choradinha, baixo pra três, mais barato que a concorrência. Aí a notícia espalha e eu monto a clientela.
— Três reais?
— Se for brasileiro. Gringo, três obamas, pra compensar o preju do outro lado.
— Mas isso é desonestidade!
— Não, é a licença poética, tu não entendeu nada, né? Essa foi até prevista em poema. Escuta: “Quando eu nascer, Senhor, daqui a quatro horas, pela sexuagésima segunda vez, fazei com que eu nasça outro homem (...). Que eu seja honesto, Senhor...”
— Ele escreveu isso?
— Escreveu. Não é perfeito?
— Ele tá dizendo que a culpa de não ser honesto é do Senhor.
— E não é? O maluco fez esse poemoração, tá assumindo a fraqueza. O cara lá de cima tinha que dar uma força, né não? O mínimo...
— Mas aí é fácil.
— Fácil, o quê, doido, eu não consigo escrever bonito assim.
— Melhor assim. Basta um desses aí! Boas vendas pra você.
— Pô, vai levar nada, doido?
— Tá bom, dá um pacote dessa bolacha.
— Biscoito. Pra tu faço a três, sem precisar derramar lágrima.
— Tá aqui, cinco.
— E aqui o troco.
— Peraí, isso é balinha. Cadê meus dois reais? Tá achando que sou otário?
— Não tenho os dois, comecei agora. Mas tenho um novo versinho do poeta: “Somos todos palhaços, choramos no camarim...”.

Nenhum comentário: