sexta-feira, 3 de junho de 2016

RELAÇÃO PREMIADA*


Daniel Cariello*

               Fiquei imaginando como será a cadeia (com trocadilho, por favor) de fatos que podem ligar um cidadão aparentemente comum à teia de delações de Sérgio Machado, o novo terror da república. Tudo pode vir à tona a partir de um encontro casual.
— Ei, você não é aquele amigo do Sérgio?
— Sérgio?
— Machado, esse aí que gravou todo mundo e tá delatando e tocando o pânico no Congresso. Vocês iam jogar pôquer lá em casa, uns anos atrás. Aliás, não te chamavam “o rei dos ases”?
— Era mago, “o mago dos ases”.
— Isso, você era bom, sempre cheio de ases, incrível. Teve aquela vez que botou uma quadra deles em cima de uma outra que tinha acabado de ser jogada. Um verdadeiro milagre da multiplicação dos ases, 8 em um jogo, première mundial, naquela partida que valia o apê de Ipanema. Se você perdesse, entregava a chave na hora!
— O baralho veio com defeito, já falamos sobre isso.
— Nunca te contei, né, mas no dia seguinte descobri meu outro baralho. E adivinha: sem os ases!
— Então foi isso, os dois vieram com problema. Ó, vou ligar agora pra fábrica, exigir que mandem outros, isso é um absurdo!
— Deixa pra lá, foi bobagem, nem lembro direito dessa história.
— É, vamos mudar de assunto.
— Melhor, mesmo. Me conta aí, como anda a Claudinha, aquela sua filha secreta fora do casamento? Já deve ter o quê, 13 anos, 14? Sua esposa já sabe dela?
— Ei, ei, fala baixo, fala baixo! Qual é a sua?

— Nada, só quero bater papo, falar dos tempos passados. Tem visto o Sérgio?
— Faz tempo...
— Não sente saudade?
— Agora tá todo mundo evitando o cara.
— Pois é. Triste isso. Você, tão próximo dele, devia fazer uma visitinha de solidariedade. Não é político, não é empresário, ninguém vai achar estranho. Só um velho amigo visitando outro.
— Não é a hora.
— É sim, pode confiar. Aliás, quando estiver lá, pede pra ir ao banheiro da biblioteca, fala que é melhor para a saúde de todos da casa. Na segunda estante à esquerda, atrás da edição comemorativa de Os Lusíadas, tem um livro encadernado. Ele é oco. Dentro deve ter uns papéis e um gravador. Pega tudo. Tudo! E depois passa lá em casa, pra gente tomar um vinho, comer uma lagosta, combinar um carteado com 16 ases só pra você.
— Sei não...
— Vai lá. É mais fácil do que roubar no pôquer ou esconder uma filha, se é que você me entende.
               O chantagista dá uma piscadinha de olho e vai embora. O outro fica zonzo, andando pelas ruas, até esbarrar em uma antiga amiga.
— Querida, que coincidência te encontrar assim. Tava pensando em você agorinha.
— É mesmo?
— Juro. Ainda trabalha com o Sérgio?
— Machado? Trabalho.
— Então, anota aí. Preciso que você entre na biblioteca dele e pegue pra mim uns papéis e um gravador que estão dentro de um livro atrás da edição comemorativa de Os Lusíadas. Pega tudo. Tudo!
— O quê? Mas isso é roubo!
— Nada, bobagem. É café pequeno perto daquele desfalque que você deu nas ações e ele nunca soube. Foi um crime perfeito! Eu mesmo só descobri porque um amigo que trabalha na bolsa me contou. Mas e aí, vai me ajudar? Ó, estão na segunda estante à esquerda, atrás da edição...
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

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