Daniel Cariello**
Nunca
imaginei que um dia acabaria no Kosovo. Saca o Kosovo? O mais novo país do
mundo, mesmo se nações como o Brasil ou a Espanha não o reconheçam. Aquele
sobre o qual os jornais sempre davam manchetes do tipo "Confusão no
Kosovo", "OTAN bombardeia Pristina" e coisas do gênero.
Então.
É daqui mesmo que escrevo esse texto. Mas não pra falar de guerras ou de
processos conturbados de independência. E sim de bares. E justifico.
É
que depois do estranhamento inicial da chegada, não demorei a me sentir em casa
em Pristina, a capital. Um pouco pelo fato de as ruas estarem cheias de
flanelinhas e lavadores de pára-brisa nos sinais. Uma especialidade que julgava
brasileira e, descobri, é comum nos bálcãs. Mas principalmente por que já tenho
meu bar aqui. Aliás, tenho um bar, um celular e uma agenda cheia de nomes de
pessoas bacanas. Elementos que, combinados na dose certa, podem significar
felicidade. Na dose errada podem significar cirrose. Ou ao menos uma dor de
cabeça desgraçada.
E
como se ainda fosse pouco, tenho também uma teoria. De boteco. Diz que o cara
cria raízes indeléveis com um lugar quando ali elege seu bar preferido. Como o
Beirute em Brasília, o Bar do Mineiro no Rio, o La Liberté em Paris ou o Strip
Depot em Pristina. Uma escolha desse calibre é etapa importante na vida social
de qualquer cidadão.
Pois
o Strip Depot, então. É uma mistura de pub inglês, café francês e preço
brasileiro. Quase uma filial do paraíso. E apesar do nome não tem nada a ver
com esses lugares de strip tease. Ao menos até onde eu tenha visto. O Strip
Depot é um dos poucos lugares de Pristina onde há um equilíbrio na quantidade
de homens e mulheres. E ponto de encontro de músicos, artistas e descolados em
geral.
Mas
um sujeito não é feito apenas do bar que ele escolhe. Vale lembrar da outra
angústia que consome a vida de pagadores de impostos ao redor do globo, do Peru
à Croácia, do Canadá ao Uzbequistão: a decisão de qual é a cerveja preferida.
Eu já tenho a minha. Tá, as minhas. No Brasil, Colorado, faz favor. Na França,
Leffe, s'il te plaît. E no Kosovo, Peja, të lutem. Alguém sem cerveja preferida
é um eclético da cevada. E ecléticos, sabe-se disso mundialmente, são aqueles
que não escolhem. Seja por preguiça, comodidade ou falta de noção.
Fiquei
pensando nisso tudo quando, no meu terceiro dia em Pristina, voltei pela
terceira vez ao Strip Depot. Sentei, abri meu caderno de anotações e rabiscava
alguma coisa. Então o garçom dirigiu-se a mim. Não em albanês, como faz
normalmente com os clientes. Mas
em inglês. Reconheceu-me. "How are you today? Is everything fine?". Nessa
hora, pensei se estava bebendo demais esses dias. Pensei se devia estar ali
mesmo, ao invés de ir ao hotel terminar um trabalho. E pensei ainda que aquela
cevada cedo ou tarde (mais cedo do que tarde, certamente) acabaria
concentrando-se na minha região abdominal, criando os inevitáveis pneus. E num
golpe de esperteza, resolvi todas essas questões com a frase certa, dirigida à
pessoa certa:
—Yes, everything is ok. Can I have a Peja, të
lutem? - Só pra te lembrar que eu tô ali no canto, viu?* "Daniel Cariello - Escritor". Continuará abrigando as crônicas cariocas
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br, mas agora também outros textos do autor.
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