Daniel Cariello**
Começada
em Paris, a caravana dos Cariello passou por Marseille e depois chegou a Roma,
a partir de onde veio a ser reforçada com a presença do meu pai. O rumo
seguinte e de onde escrevo nesse instante, a pequena San Giovanni a Piro, no
sul da Itália, é uma espécie de Meca da família. Foi daqui que partiram meu
bisavô e minha bisavó, há um século, em direção ao Brasil. Chegaram a São Paulo
e depois instalaram-se no Rio de Janeiro, onde nasceu meu avô paterno. E mais
tarde mudaram-se para Vitória, terra natal do meu pai.
San
Giovanni a Piro é um vilarejo do qual ouço falar desde pequeno. E no meu
universo infantil construí a imagem de um lugar velho e escuro. Afinal, se meus
antepassados o abandonaram é porque devia haver algo errado. Mais velho
descobri que esse "algo errado" era a forte crise pela qual a Itália
passava na época, causa de um enorme êxodo populacional, principalmente em
direção ao Brasil e aos Estados Unidos. Mas a pintura construída na infância
permaneceu na minha mente.
Nossa
chegada ao vilarejo, perto da meia-noite, ajudou a reforçar essa impressão de
abandono. Poucos dos cerca de dois mil habitantes estavam na rua, o que é bem
compreensível em um lugar desse tamanho.
Na
manhã seguinte, o sol brilhava. E os rostos e espíritos foram se mostrando aos
poucos. Como na casa de Francesco Cariello, um primo distante. Meus pais já
haviam estado um par de vezes na cidade, com dois dos meus três irmãos, e
conhecem muitos endereços e pessoas. É meu pai quem toca a campainha. Vincenza,
esposa de Francesco, atende. Ela abre a porta e um enorme sorriso.
—
Orlando!
—
Vincenza!
—
Comme stai?
—
Tutto benne. E voi?
—
Tutto benne. Há quanto tempo... Francesco não está, mas volta logo.
No
mesmo instante, nosso primo vira a esquina em seu velho carro. Nem bem acabamos
os cumprimentos e já haviam chegado mais parentes. E logo outros mais. Não sei
como ou de onde vieram. Em poucos minutos éramos quinze Cariellos conversando
(ou tentando) animadamente, como velhos conhecidos. Ou como a família que
somos. Fomos embora deixando abraços efusivos e a promessa de voltarmos a nos
encontrar.
Depois
do almoço, instalamo-nos na varanda do Albergo La Pergola, o maior (senão
único) hotel local. E as visitas, de surpresa ou não, sucederam-se em perfeita
sincronia. Vincenzo, que está aprendendo português para falar com o ramo
brasileiro da família. Rosalia, a moça simpática que não é prima, mas é como se
fosse. Filippo e sua esposa Maria, famosos no nosso núcleo familiar por terem
oferecido uma refeição de 7 pratos na primeira visita dos meus pais, em 2003.
Entre
uma aparição e outra, Charlotte e eu decidimos dar uma volta de reconhecimento
da cidade, fundada em torno do ano 900, em uma área elevada (a Piro significa
"no alto") e perto do Mediterrâneo. A vista para o belo Golfo de
Policastro é de emocionar. Ainda mais quando penso que desse mesmo mar meus
bisavôs partiram para o Brasil, há mais de 100 anos. E neste país distante e
desconhecido fundaram uma família. A minha família.
Embrenhamo-nos
nas ruelas de San Giovanni a Piro, entre escadas, pequenos becos e varais com
roupas secando. Entre velhos conversando e crianças brincando. Entre cachorros
e gatos aparentemente sem donos. Entre grandes sobrados e pequenas moradas,
todos com as portas abertas. E cumprimentando os que cruzávamos.
—
Buona sera!
—
Buona sera!
Um
pouco ao longe, avistei uma pequena família. Os pais sentados no batente em
frente a uma casa. O filho divertindo-se com seu carrinho.
—
Buona sera!
—
Buona sera!
Na
hora, pensei nos meus bisavós, nunca mais retornados à terra natal, e
principalmente no meu avô, que morreu sem ter conhecido suas origens. Se
tivessem permanecido em San Giovanni a Piro, talvez se parecessem com aqueles
ali. E não é que havia mesmo uma semelhança daquele bambino com as antigas
fotos do pai do meu pai?
Olhei
para trás, para vê-los mais uma vez. O menino parou de brincar e passou a me
fitar. Também fixei a vista nele, que sorriu pra mim e piscou com o canto do
olho, em uma cumplicidade ancestral. Virei pra frente e continuei meu caminho,
sorrindo.
*"Daniel Cariello - Escritor". Continuará abrigando as crônicas cariocas
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br, mas agora também outros textos do autor.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br, mas agora também outros textos do autor.
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