Daniel Cariello**
Uma revisão histórica (tem coisa
mais na moda do que revisão histórica?) atribui a invenção da guilhotina não
aos franceses, mas sim aos portugueses. Os patrícios de Robespierre teriam-na
apenas aperfeiçoado, ao descobrirem que ela dificilmente funcionaria em
Portugal.
– Manoel!
– Ó pá, Joachim!
– Está cá?
– Não, estou lá.
– Então venha cá, ora pois.
– Pronto. Cá estou, Joachim.
– Pois diga-me o que é isto?
– Só digo se primeiro me disseres
porque te chamas Joachim com ch.
– Não enches, Manoel. Estamos em
Lisboa, no século dezoito. Queria que me chamasse como, José Sarney?
– Tens razão. Sempre pode ser
pior.
– Sempre, ó pá.
– Mas afinal, o que é essa
geringonça?
– Chama-se tomba lâmina, moderníssima
invenção.
– Serve para quê, ó Joachim?
– Dizem que é para cortar o
bacalhau mais rápido.
– E como funciona, ó pá?
– É simples, ó Manoel. Primeiro,
rodas as pás dessa manivela até a lâmina suspender-se. Segundo, colocas o…
– Não entendi.
– O que foi agora, Manoel?
– Dissestes que devemos rodar as
pás da manivela ou que devemos rodar, ó pá, a manivela?
– As pás, ó pá.
– Pois sim.
– Posso continuaire?
– Pois não.
– Segundo, colocas o bacalhau
aqui. Terceiro, soltas as pás. Quarto, retiras o bacalhau já cortado e o levas
para a Maria cozinhá-lo.
– E será que o tomba lâmina
funciona também com cacetinhos, Joachim?
– Pois coloca o teu, Manoel.
– Estou a falaire de pão, ó pá.
– Ah bom. Vamos tentaire.
Zupt!
– Funciona! E com pastéis de
nata?
– Vamos tentaire.
Zupt!
– Também funciona! E com pedras,
ó pá?
– Vamos tentaire.
Zap…
– Não funciona, Joachim
– Manoel, roda as pás da manivela
para levantar a lâmina. Vou tiraire a pedra.
– Está levantada.
– Pega aqui a pedra.
– Pronto. Está pega. E agora,
Joachim?
– Agora solta, ó pá.
No dia seguinte, no velório do
Joachim, o Manoel ainda tentava explicar como realizara a primeira decapitação
com o novo aparelho e acidentalmente descobrira um novo uso para a máquina.
– Eu tinha entendido “solta a
pá”, eu juro, ó pá.
Para transformar o tomba lâmina
no grande hit da revolução, os franceses fizeram apenas uma mudança: tiraram a
manivela e as pás. E para levantar a chapa cortante colocaram uma corda. Simples, n’est ce pas?
*Publicada originalmente em RUBEM - Revista da Crônica.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,
Um comentário:
coitados dos portugas...
Postar um comentário