sábado, 8 de abril de 2017

A GUILHOTINA DE LISBOA*


Daniel Cariello**

Uma revisão histórica (tem coisa mais na moda do que revisão histórica?) atribui a invenção da guilhotina não aos franceses, mas sim aos portugueses. Os patrícios de Robespierre teriam-na apenas aperfeiçoado, ao descobrirem que ela dificilmente funcionaria em Portugal.
– Manoel!
– Ó pá, Joachim!
– Está cá?
– Não, estou lá.
– Então venha cá, ora pois.
– Pronto. Cá estou, Joachim.
– Pois diga-me o que é isto?
– Só digo se primeiro me disseres porque te chamas Joachim com ch.
– Não enches, Manoel. Estamos em Lisboa, no século dezoito. Queria que me chamasse como, José Sarney?
– Tens razão. Sempre pode ser pior.
– Sempre, ó pá.
– Mas afinal, o que é essa geringonça?
– Chama-se tomba lâmina, moderníssima invenção.
– Serve para quê, ó Joachim?
– Dizem que é para cortar o bacalhau mais rápido.
– E como funciona, ó pá?
– É simples, ó Manoel. Primeiro, rodas as pás dessa manivela até a lâmina suspender-se. Segundo, colocas o…
– Não entendi.
– O que foi agora, Manoel?
– Dissestes que devemos rodar as pás da manivela ou que devemos rodar, ó pá, a manivela?
– As pás, ó pá.
– Pois sim.
– Posso continuaire?
– Pois não.
– Segundo, colocas o bacalhau aqui. Terceiro, soltas as pás. Quarto, retiras o bacalhau já cortado e o levas para a Maria cozinhá-lo.

– E será que o tomba lâmina funciona também com cacetinhos, Joachim?
– Pois coloca o teu, Manoel.
– Estou a falaire de pão, ó pá.
– Ah bom. Vamos tentaire.
Zupt!
– Funciona! E com pastéis de nata?
– Vamos tentaire.
Zupt!
– Também funciona! E com pedras, ó pá?
– Vamos tentaire.
Zap…
– Não funciona, Joachim
– Manoel, roda as pás da manivela para levantar a lâmina. Vou tiraire a pedra.
– Está levantada.
– Pega aqui a pedra.
– Pronto. Está pega. E agora, Joachim?
– Agora solta, ó pá.
No dia seguinte, no velório do Joachim, o Manoel ainda tentava explicar como realizara a primeira decapitação com o novo aparelho e acidentalmente descobrira um novo uso para a máquina.
– Eu tinha entendido “solta a pá”, eu juro, ó pá.
Para transformar o tomba lâmina no grande hit da revolução, os franceses fizeram apenas uma mudança: tiraram a manivela e as pás. E para levantar a chapa cortante colocaram uma corda. Simples, n’est ce pas?

*Publicada originalmente em RUBEM - Revista da Crônica.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

Um comentário:

manoel andante disse...

coitados dos portugas...