quinta-feira, 3 de maio de 2018

MOONWALKE*



A. J. de O. Monteiro

                Corria o ano de 1993, e a música predominante era ainda aquela que foi intensivamente massificada pelos meios de comunicação nos anos 80 o “pop music”. Tal movimento musical dominava ares e lares mundo afora. Nomes como Madona, George Michael, Olívia Newton-John e muitos outros, e, dentre todos, se destacava, Michael Jackson como ídolo maior da molecada a partir dos 7, 8 anos de idade que, Assim, tão cedo, deixavam de lado as cantigas de rodas para balançarem nesse ritmo frenético. Minha filha, com pouco mais de 7 anos, curtia adoidada a música que veio do “norte”. Nas festinhas de aniversários dos colegas de escola era só o que se ouvia, tocadas sem parar e sem parar acompanhadas pelas estridentes vozes dos convivas. Isso, no entanto, trouxe um fato positivo excluindo de tais festinhas as figuras enfadonhas (para os adultos, claro) dos animadores de festas infantis.
                Lá no nosso apartamento em Bsb, aquela menininha de cabelos cacheados cantava e dançava por todos os ambientes e por todo seu tempo livre, ao som do “pm”. Até ao estudar, o fazia com o “mp-3” enfiado nos ouvidos, ignorando os protestos, meus e da mãe, afirmando que a música ajudava (?) na concentração e como vinha tirando boas notas nas provas, resolvemos contemporizar e apenas observar seu rendimento na escola.
                Em meados daquele ano (1993), pouco depois de completar seus 7 aninhos, comemorados nos moldes da época – “pop music” para todos os gostos – os deles é claro começa a ser noticiada a vinda de MJ ao Brasil com o show Dangerous Tour. A única apresentação estava marcada para outubro, em são Paulo, no estádio do Morumbi. A pequenina entra em êxtase, era só no que falava. No café da manhã, no almoço e no jantar... Era seu assunto, a toda hora, a todo o momento...
                Era um domingo tipicamente brasiliense. Após o almoço a soneca e depois concentração para assistir futebol pela Televisão, não importava qual jogo fosse. Aboletava-me no sofá em frente ao aparelho, cervejinha gelada e deixa a bola rolar. Ela aproximou-se com aquele olhar lânguido que só ela sabia fazer quando queria alguma coisa:
— Painho... (só me chamava assim quando a facada era das grandes).
— Oi filha, o que é?
— Já ouviu falar sobre o show do MJ?
— Já, por quê?
— É que estou querendo ir...
— Mas, minha filha, o show será em São Paulo, é distante e as passagens aéreas estão muitos caras, além de uma série de outras despesas... Hospedagem, alimentação, ingressos, etc., etc.
— Vamos de ônibus, então.
— Mesmo assim vai ficar muito caro, além de ser uma viagem cansativa.
— Tá bom – respondeu amuada.
                Dias depois, nova carga rebatendo todas as minhas argumentações.

—Sabe pai, os pais de minhas amiguinhas estão organizando uma excursão para irem ao show. Vão fretar um micro ônibus... Só está faltando um pai e uma filha para completar a lotação.  Vamos painho, já está tudo certo. Saímos de Brasília em horário que nos permita chegar a São Paulo bem próximo ao horário do show, portanto não precisaremos gastar com hospedagem e também levamos lanches. Tão logo termine o show, voltamos.
— Filha, de Brasília a São Paulo são quase 1.010 km, aproximadamente. Será um risco ir e voltar em tão pouco tempo, sem descanso para o motorista.
— Serão dois motoristas...
                Resolvi apelar para medidas protelatórias:
— Quem está organizando a excursão?
— O pai da Carolzinha.
— Vou ligar pra ele e me informar melhor, depois falo com sua mãe para saber a opinião dela.
— Aí vai complicar...
— Por quê?
— Sabe como ela é medrosa... Vai colocar mil perigos na viagem...
— Vamos ver, vamos ver...
                Liguei então para o pai da Carolzinha que confirmou tudo aquilo que minha filha falara e passou todas as informações sobre o projeto “moonwalke”, como chamava. Passou-me a planilha de custos e os detalhes da viagem e da estada em São Paulo. Conhecia o proprietário do micro ônibus (que é novo, segundo me disse), bem como os dois motoristas, muito responsáveis. Toda a despesa será rateada entre os pais e a hospedagem dos motoristas, no período do show, será na casa de um parente dele que mora em São Paulo e, coincidentemente, bem próximo ao Morumbi. Também disse que só iriam pais, pois nenhuma mãe se animou.
                Fui então falar com minha mulher que, para minha surpresa, disse não ver nenhum problema e que, ademais, nossa filha estava tirando boas notas na escola e bem que merecia esse presente. Certamente já fora dobrada pela enorme capacidade de persuasão de nossa garotinha que quando queria alguma coisa, agia como pingo d’água na cabeça da gente.
                Estávamos em julho e dali até o dia da viagem fizemos várias reuniões, alternando a casa dos pais. Sempre uma boa ocasião para uma cervejinha acompanhada por bons tira gostos e ao som de música popular brasileira já que todos somos da geração dos festivais dos anos 60.
                Chegou o grande dia. Tudo pronto: mochilas feitas, lanches preparados e bem embalados, garrafinhas de água mineral em isopor com gelo, caixinha de primeiros socorros e aqueles remédios para situações emergenciais, principalmente para as crianças. As recomendações de praxe e partimos. Saímos da Super Quadra onde moravam os pais da Carolzinha. Devo dizer que em uma das reuniões preparatórias, combinamos que em todo o trajeto, tanto na ida quanto na volta haveria vigília de um dos pais, alternadamente, para monitorar o comportamento dos fedelhos. Precaução absolutamente desnecessária, pois a viagem foi uma verdadeira “avant première” do show. Noite adentro, até nossa chegada, eles cantaram todos os sucessos do ídolo, a todo volume e num inglês que, devido meus parcos conhecimentos da língua de Shakespeare, não pude avaliar. O certo é que ninguém dormiu com a algazarra. Ainda bem que a cabine dos motoristas tinha isolamento acústico. Os pequenos cantaram sem parar e tão alto que não consegui ouvir minhas músicas, mesmo com os fones do mp-3 enfiados nos ouvidos.
                Chegamos enfim no estacionamento do estádio quase ouvindo o tamborilar daqueles coraçõezinhos ansiosos. Desembarcamos e seguimos direto para o portão indicado nos nossos ingressos. Fomos levados até o portão pelo parente do pai da Carolzinha, que não iria assistir ao show e levaria os motoristas para sua casa onde comeriam e descansariam para a volta. Em frente ao portão uma fila que, segundo nos disse o nosso anfitrião, nem em clássico entre São Paulo e Corinthians ocorria. Temi não entrar no estádio a tempo de ver o início do show. Não falei nada para não gerar mais inquietação na meninada. Mas, até que a fila fluiu rápido. No interior do estádio o barulho era de estourar tímpanos. Parece que todos aqueles púberes e adolescentes sabiam cantar todas as músicas do MJ. Muitos choravam emocionados. Tentei entender o que se passava naquelas mentes e corações, inutilmente. Na mesma idade, meus interesses eram outros. Minhas grandes emoções eram provocadas pelo futebol e pelos filmes de “faroeste”.
                Finalmente o grande momento: Aquele magricela entrou cantando, rodopiando e gesticulando freneticamente. O Jogo de luzes dava a sensação de filmes do Spielberg. Intenso, muito intenso. Naquele momento um silêncio inesperado se instalou na plateia por alguns segundos até uma explosão de gritos, uivos e assovios. Parecia que naquelas pequenas gargantas foram instalados amplificadores e quanto mais gritavam, mais ele dançava. A galera acompanhava a performance cantando e tentando dançar como ele e alguns até conseguiam. Mas a apoteose estava por vir: logo nos primeiros acordes de “Thriller” e nos primeiros passos do “moonwalke”, o caldeirão ferveu de vez e senti o chão sob meus pés tremerem. Parecia que as feras do apocalipse estavam soltas ali. Mas ele sabia controlar a turma e alternava músicas mais “quentes” com outras mais lentas, quase baladas. Durante o show, que assisti mais com olhar crítico, fui me convencendo que aquele carinha elétrico era realmente bom e a paixão que provocava em seu público era realmente merecida. Sei é que dali por diante passei a ouvir suas músicas sem preconceitos.
                No final do show, outra explosão, dessa vez de protestos. Os fãs, imaginei, queriam que o ídolo ficasse ali indefinidamente cantando e dançando para eles. Protestando e misturando choro com músicas, finalmente foram convencidos pelos adultos a sair. Fomos para a casa do parente do pai da Carolzinha, onde fizemos um lanche e embarcamos de volta. Preparamo-nos para mais uma sessão de MJ, mas, cansados eles caíram no sono e nós também.
                Desembarcamos no mesmo local da partida e lá estavam a nossa espera as ansiosas mães falando ao mesmo tempo e querendo saber das mesmas coisas. Haviam organizado sem nos avisar, um churrasco na chácara de um dos pais. Gostamos da ideia, pois apesar de cansados um churrasquinho regado à cerveja, ao som de Chico, Caetano Gil e outros da mesma estirpe, sempre revitaliza. As crianças, ainda cansadas da “puxada”, mal comeram e foram dormir em providenciais redes armadas na varanda da casa. E foi resenha da aventura, até o meio da tarde quando fomos pra casa pensando num banho quente e na velha e querida cama que é o que o corpo quarentenário exigia naquele momento. Vesti o mais velho e confortável pijama e cama pra que te quero. Creio que já deitei apagado. Dormi e dormi a sono solto até acordar com um safanão e o grito de minha mulher:
— Para de me empurrar! Já estou quase caindo da Cama!
— Desculpe querida, estava sonhando e no sonho dançava o “moonwalke”...
*É um passo de dança de popping onde o dançarino se move para trás parecendo caminhar para frente. (Wikpédia)

2 comentários:

manoel andante disse...

Excelente cronista, agora dando uma de conhecedor da pop-music!

Unknown disse...

Gosteei!! 👏👏👏