A. J. de O. Monteiro
Corria
o ano de 1993, e a música predominante era ainda aquela que foi intensivamente
massificada pelos meios de comunicação nos anos 80 o “pop music”. Tal movimento
musical dominava ares e lares mundo afora. Nomes como Madona, George Michael,
Olívia Newton-John e muitos outros, e, dentre todos, se destacava, Michael
Jackson como ídolo maior da molecada a partir dos 7, 8 anos de idade que,
Assim, tão cedo, deixavam de lado as cantigas de rodas para balançarem nesse
ritmo frenético. Minha filha, com pouco mais de 7 anos, curtia adoidada a música
que veio do “norte”. Nas festinhas de aniversários dos colegas de escola era só
o que se ouvia, tocadas sem parar e sem parar acompanhadas pelas estridentes
vozes dos convivas. Isso, no entanto, trouxe um fato positivo excluindo de tais
festinhas as figuras enfadonhas (para os adultos, claro) dos animadores de
festas infantis.
Lá
no nosso apartamento em Bsb, aquela menininha de cabelos cacheados cantava e
dançava por todos os ambientes e por todo seu tempo livre, ao som do “pm”. Até
ao estudar, o fazia com o “mp-3” enfiado nos ouvidos, ignorando os protestos,
meus e da mãe, afirmando que a música ajudava (?) na concentração e como vinha
tirando boas notas nas provas, resolvemos contemporizar e apenas observar seu
rendimento na escola.
Em
meados daquele ano (1993), pouco depois de completar seus 7 aninhos,
comemorados nos moldes da época – “pop music” para todos os gostos – os deles é
claro começa a ser noticiada a vinda de MJ ao Brasil com o show Dangerous Tour.
A única apresentação estava marcada para outubro, em são Paulo, no estádio do
Morumbi. A pequenina entra em êxtase, era só no que falava. No café da manhã,
no almoço e no jantar... Era seu assunto, a toda hora, a todo o momento...
Era
um domingo tipicamente brasiliense. Após o almoço a soneca e depois
concentração para assistir futebol pela Televisão, não importava qual jogo
fosse. Aboletava-me no sofá em frente ao aparelho, cervejinha gelada e deixa a
bola rolar. Ela aproximou-se com aquele olhar lânguido que só ela sabia fazer
quando queria alguma coisa:
— Painho... (só me chamava assim
quando a facada era das grandes).
— Oi filha, o que é?
— Já ouviu falar sobre o show do
MJ?
— Já, por quê?
— É que estou querendo ir...
— Mas, minha filha, o show será
em São Paulo, é distante e as passagens aéreas estão muitos caras, além de uma
série de outras despesas... Hospedagem, alimentação, ingressos, etc., etc.
— Vamos de ônibus, então.
— Mesmo assim vai ficar muito
caro, além de ser uma viagem cansativa.
— Tá bom – respondeu amuada.
Dias
depois, nova carga rebatendo todas as minhas argumentações.
—Sabe pai, os pais de minhas
amiguinhas estão organizando uma excursão para irem ao show. Vão fretar um
micro ônibus... Só está faltando um pai e uma filha para completar a
lotação. Vamos painho, já está tudo
certo. Saímos de Brasília em horário que nos permita chegar a São Paulo bem
próximo ao horário do show, portanto não precisaremos gastar com hospedagem e
também levamos lanches. Tão logo termine o show, voltamos.
— Filha, de Brasília a São Paulo
são quase 1.010 km, aproximadamente. Será um risco ir e voltar em tão pouco
tempo, sem descanso para o motorista.
— Serão dois motoristas...
Resolvi
apelar para medidas protelatórias:
— Quem está organizando a
excursão?
— O pai da Carolzinha.
— Vou ligar pra ele e me informar
melhor, depois falo com sua mãe para saber a opinião dela.
— Aí vai complicar...
— Por quê?
— Sabe como ela é medrosa... Vai
colocar mil perigos na viagem...
— Vamos ver, vamos ver...
Liguei
então para o pai da Carolzinha que confirmou tudo aquilo que minha filha falara
e passou todas as informações sobre o projeto “moonwalke”, como chamava.
Passou-me a planilha de custos e os detalhes da viagem e da estada em São
Paulo. Conhecia o proprietário do micro ônibus (que é novo, segundo me disse),
bem como os dois motoristas, muito responsáveis. Toda a despesa será rateada
entre os pais e a hospedagem dos motoristas, no período do show, será na casa
de um parente dele que mora em São Paulo e, coincidentemente, bem próximo ao
Morumbi. Também disse que só iriam pais, pois nenhuma mãe se animou.
Fui
então falar com minha mulher que, para minha surpresa, disse não ver nenhum
problema e que, ademais, nossa filha estava tirando boas notas na escola e bem
que merecia esse presente. Certamente já fora dobrada pela enorme capacidade de
persuasão de nossa garotinha que quando queria alguma coisa, agia como pingo
d’água na cabeça da gente.
Estávamos
em julho e dali até o dia da viagem fizemos várias reuniões, alternando a casa
dos pais. Sempre uma boa ocasião para uma cervejinha acompanhada por bons tira
gostos e ao som de música popular brasileira já que todos somos da geração dos
festivais dos anos 60.
Chegou
o grande dia. Tudo pronto: mochilas feitas, lanches preparados e bem embalados,
garrafinhas de água mineral em isopor com gelo, caixinha de primeiros socorros
e aqueles remédios para situações emergenciais, principalmente para as
crianças. As recomendações de praxe e partimos. Saímos da Super Quadra onde
moravam os pais da Carolzinha. Devo dizer que em uma das reuniões
preparatórias, combinamos que em todo o trajeto, tanto na ida quanto na volta
haveria vigília de um dos pais, alternadamente, para monitorar o comportamento
dos fedelhos. Precaução absolutamente desnecessária, pois a viagem foi uma
verdadeira “avant première” do show. Noite adentro, até nossa chegada, eles
cantaram todos os sucessos do ídolo, a todo volume e num inglês que, devido
meus parcos conhecimentos da língua de Shakespeare, não pude avaliar. O certo é
que ninguém dormiu com a algazarra. Ainda bem que a cabine dos motoristas tinha
isolamento acústico. Os pequenos cantaram sem parar e tão alto que não consegui
ouvir minhas músicas, mesmo com os fones do mp-3 enfiados nos ouvidos.
Chegamos
enfim no estacionamento do estádio quase ouvindo o tamborilar daqueles
coraçõezinhos ansiosos. Desembarcamos e seguimos direto para o portão indicado
nos nossos ingressos. Fomos levados até o portão pelo parente do pai da
Carolzinha, que não iria assistir ao show e levaria os motoristas para sua casa
onde comeriam e descansariam para a volta. Em frente ao portão uma fila que,
segundo nos disse o nosso anfitrião, nem em clássico entre São Paulo e
Corinthians ocorria. Temi não entrar no estádio a tempo de ver o início do
show. Não falei nada para não gerar mais inquietação na meninada. Mas, até que
a fila fluiu rápido. No interior do estádio o barulho era de estourar tímpanos.
Parece que todos aqueles púberes e adolescentes sabiam cantar todas as músicas
do MJ. Muitos choravam emocionados. Tentei entender o que se passava naquelas
mentes e corações, inutilmente. Na mesma idade, meus interesses eram outros.
Minhas grandes emoções eram provocadas pelo futebol e pelos filmes de
“faroeste”.
Finalmente
o grande momento: Aquele magricela entrou cantando, rodopiando e gesticulando
freneticamente. O Jogo de luzes dava a sensação de filmes do Spielberg.
Intenso, muito intenso. Naquele momento um silêncio inesperado se instalou na
plateia por alguns segundos até uma explosão de gritos, uivos e assovios.
Parecia que naquelas pequenas gargantas foram instalados amplificadores e quanto
mais gritavam, mais ele dançava. A galera acompanhava a performance cantando e
tentando dançar como ele e alguns até conseguiam. Mas a apoteose estava por
vir: logo nos primeiros acordes de “Thriller” e nos primeiros passos do
“moonwalke”, o caldeirão ferveu de vez e senti o chão sob meus pés tremerem. Parecia
que as feras do apocalipse estavam soltas ali. Mas ele sabia controlar a turma
e alternava músicas mais “quentes” com outras mais lentas, quase baladas.
Durante o show, que assisti mais com olhar crítico, fui me convencendo que aquele
carinha elétrico era realmente bom e a paixão que provocava em seu público era
realmente merecida. Sei é que dali por diante passei a ouvir suas músicas sem
preconceitos.
No
final do show, outra explosão, dessa vez de protestos. Os fãs, imaginei, queriam
que o ídolo ficasse ali indefinidamente cantando e dançando para eles.
Protestando e misturando choro com músicas, finalmente foram convencidos pelos
adultos a sair. Fomos para a casa do parente do pai da Carolzinha, onde fizemos
um lanche e embarcamos de volta. Preparamo-nos para mais uma sessão de MJ, mas,
cansados eles caíram no sono e nós também.
Desembarcamos
no mesmo local da partida e lá estavam a nossa espera as ansiosas mães falando
ao mesmo tempo e querendo saber das mesmas coisas. Haviam organizado sem nos
avisar, um churrasco na chácara de um dos pais. Gostamos da ideia, pois apesar
de cansados um churrasquinho regado à cerveja, ao som de Chico, Caetano Gil e
outros da mesma estirpe, sempre revitaliza. As crianças, ainda cansadas da “puxada”,
mal comeram e foram dormir em providenciais redes armadas na varanda da casa. E
foi resenha da aventura, até o meio da tarde quando fomos pra casa pensando num
banho quente e na velha e querida cama que é o que o corpo quarentenário exigia
naquele momento. Vesti o mais velho e confortável pijama e cama pra que te
quero. Creio que já deitei apagado. Dormi e dormi a sono solto até acordar com
um safanão e o grito de minha mulher:
— Para de me empurrar! Já estou
quase caindo da Cama!
— Desculpe querida, estava sonhando
e no sonho dançava o “moonwalke”...
*É um passo de dança de popping
onde o dançarino se move para trás parecendo caminhar para frente. (Wikpédia)
2 comentários:
Excelente cronista, agora dando uma de conhecedor da pop-music!
Gosteei!! 👏👏👏
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