quinta-feira, 31 de maio de 2018

O PANELAÇO DA MAZÉ E OUTRAS CONSIDERAÇÕES



A. J. de O. Monteiro
                Como em todos os sábados de nossas vidas, o vizinho chega ao muro que separa nossas casas e grita:
— Ô Zé, vamos tomar umas geladinhas aqui embaixo do cajueiro?
— É pra já, Asdrúbal, vou pegar um chuveiro e vou.
                Juntos fomos até o depósito de bebidas do Chiquinho, logo na esquina, e compramos uma dúzia de cervejas – seis pra cada um como manda a regra – geladíssimas, como também manda a regra. Colocamos as “loiras” na geladeira e aboletamo-nos sob a generosa sombra do cajueiro do Asdrúbal. Àquela altura do ano o cajueiro estava carregado de dulcíssimos cajus e assim começamos os trabalhos sabatinos saboreando a geladinha e os cajus. Entre um gole e uma mordida na fruta, falávamos de futebol, reclamávamos dos políticos, dos preços da feira e da ranzinzice das “patroas”, sempre azedando nossos sábados com reclamações banais. E por falar nisso, sem mais nem menos, chega ao reduto a D. Mazé, a “patroa” do Asdrúbal, anunciando com todas as pompas e circunstâncias:
— Asdrúbal, vou para o panelaço protestar...
— Que estória é essa mulher? Vai protestar do quê ou de quem?
— Ora, seu tapado, claro que é do governo dessa presidenta aí que andou dando umas pedaladas... Onde já se viu presidenta pedalar? Presidenta tem que andar de carro preto e não pedalar por aí de bicicleta... Tá todo mundo contra... Tá todo mundo pedindo o “impinge” dela. Vamos bater panelas até ela se mandar...
— Para de falar bobagem Mazé. Vai bater panela lá na cozinha fritando aquelas piabinhas que eu trouxe ontem da feira...
— Piabinha uma ova! Vou é bater panela ao lado das madames da alta que estão todas lá, chiquérrimas com suas panelas de “teflon” e suas colheres de bambu asiático. Vou tomar um banho, me vestir de verde e amarelo e passar lá no supermercado Supimpa e me equipar tal e qual as madames: panela de “teflon” e colher de bambu asiático...
— Uma ova digo eu! Tu sabe quanto custa uma panela dessas? Eu sei. É caríssima. E essa tal colher de pau asiática? Nem eu sei, mas deve custar uma fortuna. Já que queres ir pra esse tal panelaço vai, mas pega teu equipamento aí mesmo na cozinha e vai, pombas!
— Nem pensar, Asdrúbal, nem pensar! Nunca que eu vou pra uma manifestação de gente da alta, bater panela velha, amassada e empretecida de tanto uso e além do mais com uma colher de pau de feira livre! Nem pensar! Ou calça de veludo ou bumbum de fora.
— Diabos! Faz como quiser mulher, mas depois não venha reclamar que faltou grana no final do mês...
— Ora, todo mês falta mesmo.
                Um Tempinho depois, ela veio se despedir, ou melhor, exibir seu uniforme de protesto: Uma camiseta da “Skol” comemorativa da copa do mundo de 1994, calça “jeans” e mal se equilibrando num salto estilo Luiz XV. Pensei comigo mesmo: vai dar merda! Asdrúbal balançou a cabeça e falou entre dentes pra ela não ouvir: - “Vai-te maluca, vai bater panela no raio que a parta”!
                E por ali ficamos com nossa cervejinha, nossa prosinha despolitizada e, agora, mastigando as crocantes piabinhas fritadas pela Isaura, minha patroa, mas sob os protestos de costume: - “Todo sábado é a mesma coisa, tu tomando cervejinha com o vizinho e eu aqui sozinha cozinhando para os filhos”. Deverias – disse ela – “era pegar tua trouxa e se mudar de vez para a casa do Asdrúbal”. Já nem ligava. Tem sido sempre assim nessa travessia de trinta e tantos anos de casados: Ela reclamando da minha ausência e eu reclamando da presença excessiva dela. É como nos versos de “O CASAMENTO DOS PEQUENOS BURGUESES”, do Chico Buarque: “Ele faz o macho irrequieto/Ela faz crianças de monte/Vão viver sob o mesmo teto/até secar a fonte”...

                Lá pelas tantas e quantas, já noite, nos aparece a D. Mazé em estado deplorável: aos prantos, descabelada, com um enorme curativo na testa e caminhando no compasso de “ponto e vírgula”! A camiseta agora era verde, amarelo e vermelho sangue. Segurava numa das mãos um cabo de panela...
— O que foi isso mulher, foi atropelada?
— Que nada, maldita hora que inventei de ir para esse panelaço. Deveria ter ouvido teus conselhos, Asdrulbinho...
— Afinal, o que houve?
— Foi uma tremenda frustração e um baita rififi. Nem pude me aproximar das madames. Estavam protegidas por cordão de isolamento e com seguranças por todos os lados. Fiquei mesmo na “pipoca”, como nos carnavais baianos, só olhando aquelas beldades saracoteando e batendo panelas que, na maioria, nem era de “teflon”. Mas, mesmo assim, frustrada, resolvi ficar dançando, cantando e batendo minha “teflon” com a colher de bambu asiático, quando de repente, vindo não sei de onde apareceu uma multidão vestida de vermelho, gritando palavras de ordens e empunhando bandeiras também vermelhas. No início ficaram a distância, mas foram se aproximando e começou o empurra-empurra e do empurra-empurra partiram pros sopapos mesmo. Tentei correr, mas não teve jeito, um brutamontes me alcançou e bateu com o cabo da bandeira na testa, fiquei zonza, vi estrelas, mas me recuperei e virei onça. Sapequei-lhe a panela nas fuças, com tanta força, que ele caiu durinho. Da bandeirada que levei restaram cinco pontos e a panela nem sei onde foi parar, restou apenas o cabo... O salto do sapato ficou pelo caminho e nem sei como estou aqui pra contar a história. Pra piorar tudo ainda apareceu a cavalaria da PM distribuindo bordoadas a torto e a direito e mandando gás pra cima da gente. Meus olhos estão ardendo até agora... Quer que eu frite umas frite umas piabinhas, Asdrulbinho?
— Esquece, a D. Isaura fritou, vai tomar um banho e assistir teu “showzinho” na televisão.
— E a tal colher de pau asiática?
— O moto taxista aceitou como pagamento para me trazer aqui...  
                Quando ela se retirou Asdrúbal olhou pra mim desoladamente e falou: - “não vou nem perguntar quanto custaram a panela e a tal colher de pau dos cafundós de nem sei onde”... Levantou o copo e bradou: - “Hay Gobierno soy contra!”

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