Daniel Cariello**
Se
você quer fazer todos acreditarem que aprendeu francês na Sorbonne, anote as
dicas a seguir
Ao
chegar a Paris, meu francês não era grandes coisas, mas mesmo quando não
entendia o que falavam, sempre mantive a pose de totalmente fluente, fruto de
algumas técnicas que desenvolvi.
É
verdade que existem livrinhos de consulta rápida com frases prontas em diversas
línguas. Normalmente são divididos por temas, como “chegando à cidade”, “saindo
para jantar” ou “pedindo informações”, ótima opção para garantir ao menos uma
comunicação básica.
Porém,
se você quer fazer todos acreditarem que aprendeu francês na Sorbonne, anote as
dicas a seguir. Para ser tão didático quanto o monsieur Gérard, dividi os
ensinamentos em capítulos.
Cinq minutes de merde
O que é
A
primeira técnica, batizada de Cinq minutes de merde, foi criada por causa de um
fato estranho que acontecia comigo. Mesmo que o assunto fosse fácil e as
pessoas não falassem muito rápido, eu demorava cinco minutos para dar um boot
no meu sistema operacional interno e ajustar o cérebro à conversa. Era como um
rádio meio fora da estação, que você pesca algumas palavras, mas não consegue
entender o contexto.
O que fazer
Primeiramente,
fique com um leve sorriso na cara o tempo todo. Dá um ar de quem está por
dentro do assunto. Não exagere, pra não ficar com expressão de idiota. Olhe
para quem está falando, mas não muito, pois ele pode te pedir uma opinião. O
ideal é balançar um pouco a cabeça e ficar atento às outras pessoas da roda. Se
elas rirem, ria também. Se fizerem cara de espanto, coce o queixo.
Quando
entender um pouco, solte um "je vois" ou um "oui" de vez em
quando. São os equivalentes ao nosso "sei, sei...", que não quer
dizer nada, embora diga tudo.
Mas,
quando boiar completamente, marque um ponto no horizonte e fixe o olhar. Se te
perguntarem alguma coisa, arregale os olhos e repita a seguinte frase:
"Pardon, j’étais inattentif". Em bom português, "Desculpa,
estava desatento". Porém, NUNCA peça para repetir. É o momento ideal de
procurar pelo banheiro.
Faisant des ronds dans l’espace
O que é
É
o tradicional circular pelo ambiente. Técnica fundamental, pois ninguém te pega
no canto pra tentar desenvolver uma conversa. Se for uma festa, é mais fácil.
Numa mesa de bar o problema é maior.
O que fazer
Há
duas possibilidades para essa situação: ambientes onde você pode e onde você
não pode se locomover.
Na
primeira categoria encaixam-se festas, aperitivos, recepções e afins. É moleza
se livrar. Basta circular com um copo quase vazio na mão. Quando alguém se
aproximar, antecipe o passo e pergunte se ainda tem vinho. A frase-chave é
"il y a encore du vin?". Sirva-se e depois dê o sumiço. Claro que
você pode trocar por sua bebida preferida. Um rápido guia de referência:
cerveja é bière, água é eau e coca é coca mesmo.
A
segunda possibilidade é mais complicada e ocorre em jantares, mesas de bar e
ocasiões em que todo mundo fica sentado. Torça para ninguém te perguntar nada.
Quando houver uma pausa na conversa, lance você um assunto. Aliás, lance e em
seguida vá ao banheiro. O banheiro é fundamental em todas as situações
descritas aqui. É lá que você vai se refugiar por preciosos minutos. O tempo
suficiente para que esqueçam um pouco da sua presença. Mais detalhes sobre
lançar um assunto no capítulo seguinte.
En disant des courgettes
O que é
Conhecida
em português como "falando abobrinhas", é uma técnica avançada, para
aqueles que já têm ao menos uma pequena noção de francês. Consiste em preparar
alguns tópicos para usar no momento certo.
O que fazer
Se
você souber que vai sair, separe 30 minutos do seu dia para buscar umas
palavras no dicionário e organizar um ou dois temas com os quais tenha
familiaridade. Uma boa dica é falar de futebol, pois eles não perdem a chance
de se vangloriar em cima dos brasileiros e você não precisará dizer muita
coisa. Frases fundamentais: "C’est vrai, mais le Brésil est cinq fois
champion du monde" (“É verdade, mas o Brasil é cinco vezes campeão do
mundo”) e "Pelé a marqué plus de mille buts. Et Zidane?" (“Pelé
marcou mais de mil gols. E o Zidane?”). Solte na hora em que você desconfiar
que todo mundo está falando das derrotas de 1998 e 2006.
Um
outro tema interessante é caipirinha. Os franceses adoram a bebida. Se algum
deles não provou, certamente conhece alguém que já o fez e contou maravilhas a
respeito. Boa pra soltar ali pelo meio da noite, quando o nível alcoólico das
pessoas deverá estar mais elevado. Frases fundamentais: "J’aime bien boire
de la caïpirinha sur la plage d’Ipanema" (“Eu adoro tomar caipirinha na
praia de Ipanema”) e, se você for do tipo polêmico, solte uma "La
caïpirinha, c’est meilleur que le vin" (“A caipirinha é melhor do que o
vinho”). Mas aí você vai precisar estar preparado pra responder.
Com
essas técnicas, aplicadas nas horas certas, posso garantir que seu francês será
elogiado por todos. Quando isso acontecer, faça um ar meio blasé e tenha outra
frase na ponta da língua: "Merci beaucoup, mais j’espère que la prochaine
fois on parlera en portugais" (“Muito obrigado, mas tomara que da próxima
vez a gente converse em português”). E saia.
*Crônica de Daniel Cariello, originalmente publicada no livro Chéri à Paris - Um brasileiro na terra do fromage
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,
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