A. J. de O. Monteiro
Quando está entediado o irrequieto Mago
Manu costuma provocar o redemoinho com sua bengala mágica e voar a esmo fazendo
peraltices. Diverte-se infantilmente cuspindo na cabeça de transeuntes
(preferencialmente dos calvos). Também lhe agrada dar rasante sobre casas de
desafetos, destelhando-as. Numa dessas excursões desanuviadoras o nosso
personagem tanto exagerou nas evoluções e retaliações que sem perceber passou
da Serra do Ibiapaba e invadiu o espaço aéreo do Ceará. Sobrevoou várias
cidades, alguma conhecidas, outras, não. Mas uma cidadezinha lhe aguçou a
curiosidade por bem arborizada que era e pelo grande movimento de pessoas pelas
ruas. Diminuiu um pouco a altitude pode constatar que a cidade estava em dia de
feira e feira é feira em qualquer lugar: gente vendendo, gente comprando
naquela balbúrdia organizada. Mas, feira em cidade do interior do Nordeste não
se resume em comprar e vender: Tem forró; correio elegante; fofocas e muitos,
muitos litros de cachaça. É como bem descreve Luiz Gonzaga cantando a talvez
mais famosa feira nordestina, a de Caruaru: “A feira de Caruaru/Faz gosto a
gente ver/De tudo que há no mundo/Nela tem pra vender...” O espírito de porco
então “baixou” no homem e ele resolveu tumultuar ainda mais o ambiente
manobrando o redemoinho para aproximar-se o mais possível da feira e, com a
força do vento espiralado, arrancar toldos, espantar bichos e levantar as saias
das mulheres que lá estavam (vejam só que velhinho sapeca). Mas uma coisa o fez
desviar de seu intento; ao aproximar-se observou um casal de caninos
“engatados” e aí a coisa virou. Sua formação moral baseada nos valores judaicos
cristãos ocidentais não podia aceitar tal sem-vergonhice em plena luz do sol e
no meio da rua. Um verdadeiro atentado ao pudor. Incontinenti, sem o menor
respeito às leis naturais resolveu acabar com aquilo. Parou o redemoinho e num
gesto brusco apontou a bengala para os animais e tão brusco foi gesto que a
bengala escapou-lhe das mãos indo cair sobre o costado do cachorro que saiu em
disparada arrastando consigo a pobre cadelinha que gania desesperadamente.
Sem a bengala o Mago fica sem o poderes
dela emanados e, por consequência, sem o controle do redemoinho que começou
desfazer-se e na medida que se desfazia o Mago descia, sua veste subia deixando
a mostra suas partes pudendas – Pasmem! O Mago estava sem roupas de baixo!
Homens, mulheres e crianças que transitavam pela feiras, em princípio
assustaram-se, mas ante a visão dantesca logo caíram em convulsivas gargalhadas
para o constrangimento e indignação do homem. Já no chão ele se recompôs,
recuperou a bengala e cheio de ira girou-a acima da cabeça em 360º proferindo
palavras dirigidas aos incautos circundantes, que ficaram estáticos, imobilizados
pela magia, nas posições em que se encontravam. Alguns em situações bem
hilárias, ridículas, até: uma rechonchuda senhora preservava o indicador
enfiado no nariz; um sujeito sentado em um tamborete
estava com uma colher cheia de frito na mão e permanecia com a boca escancarada
à espera do bocado. Ante tais e tantas outras cenas do mesmo feitio a ira do
velho bruxo esmaeceu transformando-se em gozo pela sensação de poder. Sentindo-se a vontade resolveu caminhar
pelo ambiente e ver a real extensão da vingança. Olhando ao redor, observou um
cidadão confortavelmente refastelado em uma cadeira preguiçosa em frente a uma
lojinha de bugigangas. O cidadão abanava-se com um chapéu de palha para
espantar o calor e parecia completamente indiferente à cena e à presença do
Mago que, intrigado, matutou: “ora pois, esse elemento escapou do meu rogo! Não
é possível! Empreguei todo o poder da minha magia...” Resolveu tirar a limpo e
aproximou-se do velhote, cumprimentando-o:
— Bom dia, cidadão.
O velho olhou para o interlocutor e
respondeu demonstrando irritação:
— Se o dia vai ser bom ou ruim, só posso
responder à noite!
— Ora, meu bom homem – disse o mago
esforçando-se para ser gentil – não carece se irritar cumprimentei-o em
respeito às boas regras de educação.
— Só respeito regra de mulher!
O Mago, que não é de levar desaforo pra
casa resolveu se conter, pois interessava-lhe descobrir por que o talzinho ficara imune a sua magia.
Aproximou-se um pouco mais e percebeu que quase embaixo da cadeira dormitava um
vira latas de bom porte. Estancou perguntando:
— Seu cachorro morde?
— Não!
Tão logo o Mago colocou o pé no primeiro degrau
da calçada que ficava bem acima do nível da rua, o cachorro, de um salto,
ferrou os dentes na sua seca canela. O Mago deu um grito e aplicou uma
bengalada no lombo do animal que fugiu ganindo e com o rabo entre as pernas.
Fingindo não sentir dor esfregou saliva no ferimento que imediatamente parou de
sangrar, cicatrizando sem deixar marcas. Observando que o outro não esboçava
qualquer emoção vociferou:
— Seu patife! Você não falou que seu
cachorro não mordia!
— Esse cachorro não é meu...
O Mago ponderou consigo mesmo. Esse
camarada não é fácil, mas vou mostrar-lhe com quantos paus se faz uma cangalha
e que com gente da minha estirpe não se brinca.
— Não zombe de mim! Por acaso não viu o
que fiz com esses sacripantas que galhofaram com o infeliz acidente que me
acometeu? Se quiser posso transforma-lo em cururu com um simples gesto e poucas
palavras mágicas.
— Num
tenho medo. Praga de urubu magro num pega
em cavalo gordo. Além do mais, tem uma boa lagoa bem aí no meu quintal...
Foi demais. O Mago apontou a bengala para
o atrevido, proferiu a mais poderosa praga do seu arsenal, mas, para sua
surpresa e decepção, o sujeitinho, que assoviando estava, assoviando ficou.
Resolveu então mudar a estratégia:
— Por favor, o Sr. Poderia me informar o
nome desta bela cidade?
— Tu ta
vendo alguma bomba aqui? Isso aqui é uma loja e não posto de gasolina e se
não vai comprar nada, pode tomar rumo, mas, antes, desfaça a bruxaria que
lançou nesse povo, pois são quase todos meus clientes e em dia de feira é
quando mais apuro.
Indignado e pela primeira vez sendo
desafiado, sem outra alternativa, girou a bengala em sentido anti-horário e as
palavras mágicas de trás pra frente, desfazendo o encantamento e o gentio
retomou suas ações como se nada tivesse acontecido. A gorducha concluiu sua
faxina nasal e o homem no tamborete finalmente pode comer o seu frito. Girou
novamente a bengala, dessa vez no sentido horário para formar o redemoinho no
qual embarcou pensando em desforra. “Vou me internar na Mata do Soim, convocar
meus duendes e outras entidades da mata e juntos traçarmos um plano para
‘enquadrar’ esse sujeitinho arrogante. Já se afastava quando de estalo resolveu
voltar e satisfazer uma curiosidade. Parou o redemoinho bem próximo ao homem e
falou:
— Só quero saber o nome do único vivente
que ousou me desafiar e continuou íntegro. Pode me dizer seu nome?
O velhote, sem ao menos lhe dirigir o
olhar, com voz grave e pausada respondeu:
— Meu nome é Lunga, Seu Lunga!
Vôte
– disse o Mago acelerando o redemoinho rumo à Mata do Soim – t’esconjuro cabrunco
velho!
3 comentários:
Recebi a visita, inesperada, do Mago Manú para saber de eu conhecia um tal de Lunga... Ora vejam só, não só o conhecí, como. até, lhe dei umas boas porradas! E contei uns "causos" do indigitado, sujeito mau caráter, que frequentava os botecos da capital de Paraiba, contando basófias, um pouco amentiradas, como a do cuscus com leite e a da virada do caminhão...Lunga era muito conhecido, mas não tão querido, em toda João Pessôa! O Mago sentiu-se compensado e fez-me prometer publicar tais bandidagens
uma vai: Um sujeito achegou-se a uma banca de cuscus e pediu um inteiro, com uma xícara de leite quente; ao jogar o leite sôbre o cuscus, este inchou tanto que não coube no prato... Pois o comilão ficou com tanta raiva que puxou um " 38 " e disparou contra o prato gritando: "Eu sou Seu Lunga e ninguem incha pra me chatear, bando de safados, que cai bala!
Outra vem: Indo a dirigir seu caminhão, encontrou uns fiscais do Detran e foi demonstrar-lhes como era um bom motorista...bateu na primeira árvore que encontrou e os fiscais gostaram tanto da "manobra" do seu Lunga que o levaram pra passar uns dias perto deles, na cadeia!
Hahaha, muito bom
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