sexta-feira, 10 de maio de 2019

PELEJA EM DIA DE FEIRA



A. J. de O. Monteiro
      Quando está entediado o irrequieto Mago Manu costuma provocar o redemoinho com sua bengala mágica e voar a esmo fazendo peraltices. Diverte-se infantilmente cuspindo na cabeça de transeuntes (preferencialmente dos calvos). Também lhe agrada dar rasante sobre casas de desafetos, destelhando-as. Numa dessas excursões desanuviadoras o nosso personagem tanto exagerou nas evoluções e retaliações que sem perceber passou da Serra do Ibiapaba e invadiu o espaço aéreo do Ceará. Sobrevoou várias cidades, alguma conhecidas, outras, não. Mas uma cidadezinha lhe aguçou a curiosidade por bem arborizada que era e pelo grande movimento de pessoas pelas ruas. Diminuiu um pouco a altitude pode constatar que a cidade estava em dia de feira e feira é feira em qualquer lugar: gente vendendo, gente comprando naquela balbúrdia organizada. Mas, feira em cidade do interior do Nordeste não se resume em comprar e vender: Tem forró; correio elegante; fofocas e muitos, muitos litros de cachaça. É como bem descreve Luiz Gonzaga cantando a talvez mais famosa feira nordestina, a de Caruaru: “A feira de Caruaru/Faz gosto a gente ver/De tudo que há no mundo/Nela tem pra vender...” O espírito de porco então “baixou” no homem e ele resolveu tumultuar ainda mais o ambiente manobrando o redemoinho para aproximar-se o mais possível da feira e, com a força do vento espiralado, arrancar toldos, espantar bichos e levantar as saias das mulheres que lá estavam (vejam só que velhinho sapeca). Mas uma coisa o fez desviar de seu intento; ao aproximar-se observou um casal de caninos “engatados” e aí a coisa virou. Sua formação moral baseada nos valores judaicos cristãos ocidentais não podia aceitar tal sem-vergonhice em plena luz do sol e no meio da rua. Um verdadeiro atentado ao pudor. Incontinenti, sem o menor respeito às leis naturais resolveu acabar com aquilo. Parou o redemoinho e num gesto brusco apontou a bengala para os animais e tão brusco foi gesto que a bengala escapou-lhe das mãos indo cair sobre o costado do cachorro que saiu em disparada arrastando consigo a pobre cadelinha que gania desesperadamente.
      Sem a bengala o Mago fica sem o poderes dela emanados e, por consequência, sem o controle do redemoinho que começou desfazer-se e na medida que se desfazia o Mago descia, sua veste subia deixando a mostra suas partes pudendas – Pasmem! O Mago estava sem roupas de baixo! Homens, mulheres e crianças que transitavam pela feiras, em princípio assustaram-se, mas ante a visão dantesca logo caíram em convulsivas gargalhadas para o constrangimento e indignação do homem. Já no chão ele se recompôs, recuperou a bengala e cheio de ira girou-a acima da cabeça em 360º proferindo palavras dirigidas aos incautos circundantes, que ficaram estáticos, imobilizados pela magia, nas posições em que se encontravam. Alguns em situações bem hilárias, ridículas, até: uma rechonchuda senhora preservava o indicador enfiado no nariz; um sujeito sentado em um tamborete estava com uma colher cheia de frito na mão e permanecia com a boca escancarada à espera do bocado. Ante tais e tantas outras cenas do mesmo feitio a ira do velho bruxo esmaeceu transformando-se em gozo pela sensação de poder.     Sentindo-se a vontade resolveu caminhar pelo ambiente e ver a real extensão da vingança. Olhando ao redor, observou um cidadão confortavelmente refastelado em uma cadeira preguiçosa em frente a uma lojinha de bugigangas. O cidadão abanava-se com um chapéu de palha para espantar o calor e parecia completamente indiferente à cena e à presença do Mago que, intrigado, matutou: “ora pois, esse elemento escapou do meu rogo! Não é possível! Empreguei todo o poder da minha magia...” Resolveu tirar a limpo e aproximou-se do velhote, cumprimentando-o:
      — Bom dia, cidadão.
      O velho olhou para o interlocutor e respondeu demonstrando irritação:
      — Se o dia vai ser bom ou ruim, só posso responder à noite!
      — Ora, meu bom homem – disse o mago esforçando-se para ser gentil – não carece se irritar cumprimentei-o em respeito às boas regras de educação.
      — Só respeito regra de mulher!
      O Mago, que não é de levar desaforo pra casa resolveu se conter, pois interessava-lhe descobrir por que o talzinho ficara imune a sua magia. Aproximou-se um pouco mais e percebeu que quase embaixo da cadeira dormitava um vira latas de bom porte. Estancou perguntando:
      — Seu cachorro morde?

      — Não!
      Tão logo o Mago colocou o pé no primeiro degrau da calçada que ficava bem acima do nível da rua, o cachorro, de um salto, ferrou os dentes na sua seca canela. O Mago deu um grito e aplicou uma bengalada no lombo do animal que fugiu ganindo e com o rabo entre as pernas. Fingindo não sentir dor esfregou saliva no ferimento que imediatamente parou de sangrar, cicatrizando sem deixar marcas. Observando que o outro não esboçava qualquer emoção vociferou:
      — Seu patife! Você não falou que seu cachorro não mordia!
      — Esse cachorro não é meu...
      O Mago ponderou consigo mesmo. Esse camarada não é fácil, mas vou mostrar-lhe com quantos paus se faz uma cangalha e que com gente da minha estirpe não se brinca.
      — Não zombe de mim! Por acaso não viu o que fiz com esses sacripantas que galhofaram com o infeliz acidente que me acometeu? Se quiser posso transforma-lo em cururu com um simples gesto e poucas palavras mágicas.
      Num tenho medo. Praga de urubu magro num pega em cavalo gordo. Além do mais, tem uma boa lagoa bem aí no meu quintal...
      Foi demais. O Mago apontou a bengala para o atrevido, proferiu a mais poderosa praga do seu arsenal, mas, para sua surpresa e decepção, o sujeitinho, que assoviando estava, assoviando ficou. Resolveu então mudar a estratégia:
      — Por favor, o Sr. Poderia me informar o nome desta bela cidade?
      — Tu ta vendo alguma bomba aqui? Isso aqui é uma loja e não posto de gasolina e se não vai comprar nada, pode tomar rumo, mas, antes, desfaça a bruxaria que lançou nesse povo, pois são quase todos meus clientes e em dia de feira é quando mais apuro.
      Indignado e pela primeira vez sendo desafiado, sem outra alternativa, girou a bengala em sentido anti-horário e as palavras mágicas de trás pra frente, desfazendo o encantamento e o gentio retomou suas ações como se nada tivesse acontecido. A gorducha concluiu sua faxina nasal e o homem no tamborete finalmente pode comer o seu frito. Girou novamente a bengala, dessa vez no sentido horário para formar o redemoinho no qual embarcou pensando em desforra. “Vou me internar na Mata do Soim, convocar meus duendes e outras entidades da mata e juntos traçarmos um plano para ‘enquadrar’ esse sujeitinho arrogante. Já se afastava quando de estalo resolveu voltar e satisfazer uma curiosidade. Parou o redemoinho bem próximo ao homem e falou:
      — Só quero saber o nome do único vivente que ousou me desafiar e continuou íntegro. Pode me dizer seu nome?
      O velhote, sem ao menos lhe dirigir o olhar, com voz grave e pausada respondeu:
      — Meu nome é Lunga, Seu Lunga!
      Vôte – disse o Mago acelerando o redemoinho rumo à Mata do Soim – t’esconjuro cabrunco velho!

3 comentários:

Manoel Andante disse...

Recebi a visita, inesperada, do Mago Manú para saber de eu conhecia um tal de Lunga... Ora vejam só, não só o conhecí, como. até, lhe dei umas boas porradas! E contei uns "causos" do indigitado, sujeito mau caráter, que frequentava os botecos da capital de Paraiba, contando basófias, um pouco amentiradas, como a do cuscus com leite e a da virada do caminhão...Lunga era muito conhecido, mas não tão querido, em toda João Pessôa! O Mago sentiu-se compensado e fez-me prometer publicar tais bandidagens

Andante disse...

uma vai: Um sujeito achegou-se a uma banca de cuscus e pediu um inteiro, com uma xícara de leite quente; ao jogar o leite sôbre o cuscus, este inchou tanto que não coube no prato... Pois o comilão ficou com tanta raiva que puxou um " 38 " e disparou contra o prato gritando: "Eu sou Seu Lunga e ninguem incha pra me chatear, bando de safados, que cai bala!
Outra vem: Indo a dirigir seu caminhão, encontrou uns fiscais do Detran e foi demonstrar-lhes como era um bom motorista...bateu na primeira árvore que encontrou e os fiscais gostaram tanto da "manobra" do seu Lunga que o levaram pra passar uns dias perto deles, na cadeia!

Simone LM disse...

Hahaha, muito bom