Daniel Cariello**
— Presta atenção no canto
desse passarinho, Daniel. O que você ouve? - Perguntou meu avô paterno.
—“Piu-piu-piiiu”, ué. - Afirmei, naquela segurança de quem tem 4
anos de idade e já sabe tudo.
- Tem certeza?
Minha
sapiência, parece, não era tão sólida assim, pois imediatamente passei a me
questionar sobre o gorjeio que vinha de fora e invadia a sala dos meus avós, na
casa cuja porta para o jardim estava sempre aberta.
— Verdade, vô! Não é “piu-piu-piiiu”, mas “piiiiu-piiiiu-piu”.
— Tentei remediar. Afinal, mesmo com toda minha vasta
experiência de vida – eu era bem maior do que a minha irmã de 2 anos -, também
podia me enganar.
—Ainda não, Daniel. Vamos de novo. Agora, fecha os olhos e fica
bem atento.
- “Pi-pi-piu”? Não, quer dizer, “piu-pi-pi”?
— Nada disso. Esse passarinho canta o próprio nome:
“bem-te-viiii”. Escuta.
Escutei. E ouvi
exatamente isso, o passarinho dizendo “bem-te-viiii”, em uma mistura de espanto
pelo conhecimento ornitológico do meu avô (mesmo que eu desconhecesse a palavra
ornitológico) e vontade de crer na história.
Ali, aprendi a
identificar o único canto de ave que sei até hoje. É claro que também sou capaz
de identificar o som feito por um papagaio, mas para um urbanóide como eu,
papagaio é praticamente um humano com penas (que lhe permitem bater asas quando
os humanos sem pena o perturbam demais).
Meu avô estava
especialmente incrível nesse dia, mais do que era normalmente, e na mesma sala
me falou que era capaz de jogar uma pedra tão longe e tão rápido que eu não
poderia vê-la. E passou imediatamente para a demonstração: segurou a pedra com
a mão direita, encolheu o braço perto da cabeça, para gerar impulso, e fez o
movimento de lançamento com a rapidez e a precisão que só os avôs especialmente
incríveis têm.
Eu nem vi a
pedra, é verdade, mas porque meu avô não a lançou, como me explicou em seguida,
depois de me fazer acreditar que era mais rápido e forte que o super homem. Ele
a deixou cair por detrás do ombro, em cima do sofá, enquanto me fez olhar para
fora da casa, para o infinito, tentando captar a possível trajetória que o
projétil tomaria. Essa brincadeira eu faço até hoje, quando estou com crianças
pequenas. E vejo no olhar delas o mesmo espanto que eu tive observando meu avô.
Mas, ao contrário dele, nem sempre revelo o segredo. Talvez por ainda não ter
netos.
— Tio, como você faz isso?
—É preciso muito treinamento, um dia explico.
Esse foi
daqueles dias que ficaram gravados para sempre na cabeça da criança de 4 anos
que eu era e se transformou na criança de 45 anos que sou. Um dia especialmente
incrível com um avô idem. Um dia do qual sempre me lembro, e que tive vontade
de compartilhar com vocês.
* segundo Ariano, só existem três sons universais: peido, arroto e espirro, peço licença para acrescentar o canto do bem-ti-vi. (Nota do postador)

Nenhum comentário:
Postar um comentário