domingo, 12 de maio de 2019

TRATADO SOBRE O GARLINDÉU


Tá faltando o garlindéu!
Daniel Cariello*

            Quero informar a vocês que sou perfeitamente capaz de identificar um garlindéu. Dos mais variados tipos, com bases diferentes, parafusados ou rebitados, retangulares ou arredondados, prateados ou cromados. Se a pergunta de um milhão fosse “Qual das imagens abaixo é a de um garlindéu?”, eu apontaria sem hesitação para a alternativa correta, deixando todos muito espantados.
            Se fosse para defini-lo, no entanto, eu perderia o milhão. Essa tarefa é melhor desempenhada por dicionaristas e velejadores, pois se trata de uma peça de barco. O Priberam explica garlindéu como um “aro, no topo do mastro, em que se enfia o mastaréu, os cadernais das adriças, etc”. Evidentemente, também sou capaz de identificar um mastro, mas se eu cruzasse com um cadernal da adriça em algum momento da minha vida, falharia miseravelmente em reconhecê-lo.
            Fui ter contato com o insinuante universo garlindéu graças à história vivida pelo meu amigo Jorge. Velejador amador, ele ignorou o vento que se levantava e insistiu em encarar com seu pequeno barco à vela uma curta travessia marítima, de uma praia à outra. Porém, no meio do trajeto, a brisa se transformou em tempestade e quebrou a sustentação da vela, que ficou solta. Jorge e um companheiro de desventura ficaram à deriva. Por sorte, a corrente de ar soprava para a praia, aonde chegaram assustados, mas inteiros.
            Anos mais tarde, quando superou o trauma e reparou o barco, Jorge descobriu que o acidente aconteceu porque o garlindéu se soltara. A tempestade não o destruiu (era um garlindéu dos mais sólidos), mas quebrou os rebites que o seguravam (era um garlindéu do modelo rebitado, não do parafusado).
            Jorge depois me explicou, em palavras compreensíveis para um leigo, que garlindéu é a “pecinha que une o mastro à retranca”. E aproveitou para dar a aula completa e esclarecer que “retranca é o mastro horizontal, que ajuda a segurar a vela”, ampliando meu conhecimento náutico de maneira assombrosa.
            Ele também me trouxe um novo significado da palavra, que nenhum dicionário foi ainda capaz de registrar e aproveito para reproduzir nessa crônica, provavelmente a única já feita em louvor dessa peça pequena para um barco, mas grande para a humanidade. Depois do episódio do quase naufrágio, garlindéu agora também é: “1. A peça que não pode faltar ou falhar / 2. Código para designar algo forte e resistente”.
            Em um campo semântico ampliado, a cerveja poderia perfeitamente ser o garlindéu de uma festa, já que é imprescindível em qualquer comemoração: “Traz aí um engradado de garlindéu bem gelado”. Ou então poderíamos usar o substantivo como unidade de medida dos laços afetivos: “nossa amizade é sólida como um garlindéu”.
            Nesse tratado quase exaustivo sobre tema tão fundamental, deixo vocês criarem outros significados para o verbete. Afinal, quem nunca divagou sobre assuntos desimportantes que atire o primeiro garlindéu.

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