Daniel Cariello*
Subi
no 422 e procurei lugar pra sentar. Às vezes o ônibus chega no modo “sardinha
enlatada”, todo mundo compactado e oleoso, cortesia do inclemente calor
carioca, mas dessa vez havia cadeira livre. Aumentei o volume da Orchestra
Baobab e me instalei, assoviando com os senegaleses e admirando os arcos da
Lapa.
Tudo
ia bem, até o motorista meter uma freada brusca, cantando pneu, sacudindo todo
mundo, quase derrubando quem estava em pé. Recompus-me e vi um sujeito dar uma
bronca no chofer. Abaixei a música a tempo do fim do sermão.
— Aê, é pra parar. Não pode
avançar o cruzamento, maluco. Aqui tem acidente!
Concordei,
a via é perigosa, e fiquei feliz de me ver representado por aquele cidadão,
reclamador de seu direito básico de terminar vivo a viagem. Satisfeito,
retornei à apreciação da mistura afro cubana da Orchestra Baobab e à observação
do que acontece nesse mundo curioso que existe do lado de fora de mim.
Contemplava
o Outeiro da Glória quando uma virada repentina e aguda do ônibus por pouco não
levantou a lateral do veículo. Uma eventualidade que poderia comprometer o
supracitado direito dos passageiros. O sujeito ao lado do motorista retomou a
reprimenda.
— Maluco, tu é doido, é? Falei: a
primeira à direita. Não a segunda. Quer matar geral?
— Porra, tu falou segunda.
— Aê, falei nada. Primeira. Agora
tu segue reto a rua até o final.
— Sinal?
—FINAL, maluco.
Ali,
entendi: o chofer não conhecia a rota do 422. Vendo sua falta de habilidade,
questionei-me até se ele já havia conduzido um ônibus antes. Pensei em descer
daquele Titanic sobre rodas, podendo naufragar a qualquer momento. Mas meu
espírito de cronista foi mais forte e me fez pular umas cadeiras para frente,
para assistir à cena de camarote.
Desliguei
a música, para não perder nenhum detalhe, e logo o condutor freou outra vez de
maneira abrupta. Agora, parou em frente a um bar, abriu a porta da frente e se
levantou.
— Aê, piloto, tu vai onde,
maluco? - Perguntou o sujeito de sempre.
— Porra, pegar uma parada.
— A parada é em frente à igreja,
virando a rua.
— Não, uma parada para beber. Vai
querer?
— Aí boto fé. Traz uma cerva.
— Já é!
De
todos os passageiros, só eu parecia surpreso. E como um turista em um safari,
observei atentamente a ação pela janela. O motorista desceu na tranquilidade,
perguntou algo no balcão do bar, entrou no banheiro, deixou um dinheiro com o
atendente e pegou uma fanta laranja e uma cerveja, que entregou para seu agora
co-piloto.
— O calor tá sinistro.
— Ô...
Abriram
suas bebidas e brindaram, nesse dia normal da vida carioca, nessa viagem
ordinária do 422.
*Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,
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