A. J. de O. Monteiro
A
previsão do tempo indicava a madrugada mais fria do ano em Brasília, e foi. E
foi naquela madrugada fria, extremamente fria que acordei com o estridente
choro da Bil. Levantei-me de um salto e corri para o quarto da pequena. O
quarto estava iluminado pela luz amarela de seu abajur e pude vê-la de joelhos
sacudindo o gradil do berço. A boca escancarada quase me permitia ver as
amígdalas. Tive que gritar para ser ouvido, tão alto era o choro.
—
O que houve filhinha?
Ao
que ela respondeu entre soluços:
—
Pepeta (traduzindo: chupeta)
Nesse
momento a mãe chega ao quarto, ainda meio aturdida, pergunta:
—
Por que está chorando filhinha? Onde está dodói?
Respondi
por ela:
—
A chupeta! Perdeu novamente a chupeta!
—
Vamos procurar Bil, não chore mais, vamos achá-la
Mas
não achamos...
Enquanto
a mãe tentava acalmá-la, eu, seguindo todo o protocolo de busca à chupetas,
revirei o colchão do berço, sacudi o cobertor e, já apoiado por uma lanterna,
revistei todos os cantos do quarto, despejei a caixa de brinquedos e nada. Fui
aos demais cômodos do apartamento: os outros quartos, corredor, sala,
banheiros, cozinha... E nada. Lembrei-me então que a mãe costumava ter uma
chupeta reserva guardada na geladeira... Não, não tinha. A mãe então me
informou que a chupeta perdida agora já era a reserva... A mãe já esgotara
todos os recursos de acalanto de que dispunha: Cantou as musiquinhas infantis;
contou historinhas; ligou o televisor, mas àquela hora a programação nada tinha
de atraente a crianças... E o volume do choro aumentando. Ela não calava,
apenas, entre um soluço e outro, gritava: PE-PE-TA! Já temia que os vizinhos
ligassem para o Conselho Tutelar denunciando-nos por maus tratos a menor... “Vai
comprar outra chupeta” – gritou a mãe em desespero – “e vai logo”!
A
madrugada estava fria, muito fria, já disse. Agasalhei-me, desci, liguei o fiel
fusquinha e dirigi-me para o HFA (Hospital das Forças Armadas), que fica
próximo e mantinha uma farmácia 24 horas aberta ao público em geral, mas não
tinha a chupeta da Bil, que só aceitava uma tal chupeta ortodôntica com a ponta
da tetina achatada, cuja propaganda
dizia proteger o palato e os dentes – propaganda enganosa, pois os dentinhos de
leite da Bil já se insinuavam.
Resignado
voltei para o carro e rumei para a W-3 Sul, dizendo para mim mesmo: ah, lá vai
ter! Mas não tinha! Percorri a via da 516 até a 502, deixando para trás
vitrines e placas luminosas, mas nenhuma farmácia de plantão. Confesso que na
502, me senti tentado a dar uma paradinha n’O Paisano*, mas resisti, afinal a
chupeta era prioridade, portanto dali rumei para a CLS-302 Sul, também
conhecida pela população como rua das farmácias, devido ao grande número de
estabelecimentos do gênero. Já sem muita convicção fui e lá encontrei farmácias
abertas e logo na primeira encontrei a “ortodôntica” da Bil – comprei dez e,
aliviado, voltei pra casa. Já nem frio sentia mais!
Ao
me ver com a sacolinha na mão, Bil estancou o choro, pegou a chupeta que lhe
estendi, sorriu, colocou-a na boca, fechou os olhos, recostou a cabeça no ombro
da mãe e dormiu... Já eu não dormi. Acompanhei o lento passar das horas daquela
madrugada fria, ouvindo músicas com fones de ouvido para não lhe atrapalhar o
sono. E assim fiquei até a hora de ir trabalhar com toda a disposição do mundo.
Algum
tempo depois estávamos nós – eu e ela – sentados no chão da sala ouvindo
músicas e discutindo sobre samambaias choronas, peixinhos saltadores e outros
assuntos de alto magistério, quando Bil postou-se ante mim e falou gravemente:
—
Pai, vamos fazer um trato...? Se você parar de fumar, paro de usar chupeta!
—
Topo – respondi sem pestanejar.
Incontinente
ela tirou a chupeta da boca, atirou-a pela janela da sala e desde então nunca
mais tive de largar-me pelas ruas de Brasílias em madrugadas frias para comprar
chupetas. Ela cumpriu sua parte no trato, enquanto eu não. Que vergonha!
*Restaurante de cozinha italiana,
mas que nas madrugadas dos finais de semana, oferecia grande variedade de
caldos para aqueles(as) que resolviam esticar o repiau.
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