terça-feira, 9 de julho de 2019

HORA DO RECREIO


A. J. de O. Monteiro

                Por volta da nove horas da manhã, fazia um silêncio de falta de energia. Aquele silêncio que nos faz ouvir os ruídos da cidade à distância: o ronco de um motor; o bater de um martelo; ou o choro de uma criança. Mal comparando é como na roça se ouve o mugir do gado; o cantar do galo; ou o som de chocalhos badalando no ritmo lento da boiada... De repente o silêncio é rompido pelo estridente som de uma sirene talvez anunciando a troca de turno de uma obra – existem muitas nas imediações de minha casa – ou, quem sabe, algum dos vários colégios e escolas das redondezas anunciando intervalo de aulas ou a hora do recreio. Minha imaginação não titubeou; ficou com a hora do recreio e vi-me remetido aos seis anos de idade, quando me tornei estudante.
                Naqueles idos, na minha cidade não havia pré-escola do tipo creche ou jardim de infância. Atingidos os seis anos, éramos matriculados em grupo escolar direto na alfabetização. Fui então matriculado, lembro-me bem, no Grupo Escolar Abdias Neves que funcionava num casarão antigo, adaptado para escola e que ficava próximo a minha casa. Lembro também, com alguma nitidez, do primeiro dia de aula quando um bando de meninos e meninas meio que assustados e ansiosos, chega à escola e é recebidos por D. Eremita (olha só que nome escolheram para minha primeira professora!). Por ela fomos direcionados ao pátio – que mais adiante assumirá sua importância nesta história – onde, perfilados, por turmas e trajando uniformes estalando de novos: camisas brancas com gravatinhas azuis com listas brancas (a quantidade de listas indicava o ano/série do estudante) e calça curta azul para os meninos e saia, também azul, para as meninas. O tempora! O mores!  Meninos e meninas vestiam uniformes com as mesmas cores. Pasmem!
                Após umas breves palavras de boas-vindas e incentivo da diretora, em fila, tendo a professora a frente, as turmas foram conduzidas as suas respectivas salas para a iniciação no estranho mundo das letras e dos números contido em dois livretos: a Cartilha do ABC e a Tabuada. Começava, ali, a aventura do aprender! Éramos submetidos àquela cantilena enfadonha. A professora “cantava”: com a... E a turma respondia uníssono: bê-a-bá. E assim íamos sendo alfabetizados (não sei como, mas deu certo). O mesmo método era aplicado para a tabuada e também deu certo – até certo ponto.
                Quando já estávamos a ponto de dormir, a aula era interrompida por uma senhorinha miúda, de cabelos brancos que desfilava pelo corredor tocando, pausada, mas vigorosamente, uma sineta. Era o grande momento: A HORA DO RECREIO!
                Saíamos da sala em ordem sob o olhar da professora, mas mal batíamos os pés fora era o caos. Engolíamos apressadamente a merenda e começávamos a liberar toda a energia contida... Corríamos de canto a outro do pátio atrás de qualquer coisa que se parecesse com uma bola – as vezes aparecia uma trazida às escondidas por algum aluno mais peralta. Gritos ensurdecedores, um galo (hematoma) na cabeça, um joelho sangrando, muito choro e tudo o mais que pode acontecer com um bando de crianças soltas em um pátio, ao redor de uma bela jabuticabeira que fornecia sombra o ano todo e no mês de setembro nos oferecia suas doces jabuticabas que caídas ao chão e pisoteadas pela alunada, misturava-se à terra do pátio formando uma lama azul-arroxeada mudando a cor – principalmente das camisas brancas do uniforme. O que era uma farra para nós, era um tormento para as mães que tinham de lavar os uniformes para o dia seguinte. E não adiantavam broncas ou ameaças, no dia seguinte a farra se repetia, com o mesmo resultado... E assim foi durante os quatro anos do primário.
                No quarto ano, concomitantemente com o ensino regular, fazíamos o preparatório para o famigerado exame de admissão ao ginásio, uma espécie de avant première do vestibular para o curso superior.
                No ginásio, no Liceu Piauiense, a hora do recreio foi substituída pelos intervalos entre as aulas de diversas matérias, anunciados por uma estridente sirene em lugar da sineta e ao invés de jabuticabeira, havia ao redor do pátio, oitizeiros que produziam frutos sem sabor, servindo apenas como munição para as batalhas entre turmas.
                Mas aí é outra história...

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