A. J. de O. Monteiro
Por
volta da nove horas da manhã, fazia um silêncio de falta de energia. Aquele
silêncio que nos faz ouvir os ruídos da cidade à distância: o ronco de um
motor; o bater de um martelo; ou o choro de uma criança. Mal comparando é como
na roça se ouve o mugir do gado; o cantar do galo; ou o som de chocalhos
badalando no ritmo lento da boiada... De repente o silêncio é rompido pelo
estridente som de uma sirene talvez anunciando a troca de turno de uma obra –
existem muitas nas imediações de minha casa – ou, quem sabe, algum dos vários
colégios e escolas das redondezas anunciando intervalo de aulas ou a hora do
recreio. Minha imaginação não titubeou; ficou com a hora do recreio e vi-me
remetido aos seis anos de idade, quando me tornei estudante.
Naqueles
idos, na minha cidade não havia pré-escola do tipo creche ou jardim de
infância. Atingidos os seis anos, éramos matriculados em grupo escolar direto
na alfabetização. Fui então matriculado, lembro-me bem, no Grupo Escolar Abdias
Neves que funcionava num casarão antigo, adaptado para escola e que ficava
próximo a minha casa. Lembro também, com alguma nitidez, do primeiro dia de aula
quando um bando de meninos e meninas meio que assustados e ansiosos, chega à
escola e é recebidos por D. Eremita (olha só que nome escolheram para minha
primeira professora!). Por ela fomos direcionados ao pátio – que mais adiante
assumirá sua importância nesta história – onde, perfilados, por turmas e
trajando uniformes estalando de novos: camisas brancas com gravatinhas
azuis com listas brancas (a quantidade de listas indicava o ano/série do
estudante) e calça curta azul para os meninos e saia, também azul, para as
meninas. O tempora! O mores! Meninos e
meninas vestiam uniformes com as mesmas cores. Pasmem!
Após
umas breves palavras de boas-vindas e incentivo da diretora, em fila, tendo a
professora a frente, as turmas foram conduzidas as suas respectivas salas para a
iniciação no estranho mundo das letras e dos números contido em dois livretos:
a Cartilha do ABC e a Tabuada. Começava, ali, a aventura do aprender! Éramos
submetidos àquela cantilena enfadonha. A professora “cantava”: bê com a...
E a turma respondia uníssono: bê-a-bá. E assim íamos sendo alfabetizados (não
sei como, mas deu certo). O mesmo método era aplicado para a tabuada e também
deu certo – até certo ponto.
Quando
já estávamos a ponto de dormir, a aula era interrompida por uma senhorinha
miúda, de cabelos brancos que desfilava pelo corredor tocando, pausada, mas vigorosamente,
uma sineta. Era o grande momento: A HORA DO RECREIO!
Saíamos
da sala em ordem sob o olhar da professora, mas mal batíamos os pés fora era o
caos. Engolíamos apressadamente a merenda e começávamos a liberar toda a
energia contida... Corríamos de canto a outro do pátio atrás de qualquer coisa
que se parecesse com uma bola – as vezes aparecia uma trazida às escondidas por
algum aluno mais peralta. Gritos ensurdecedores, um galo (hematoma) na cabeça,
um joelho sangrando, muito choro e tudo o mais que pode acontecer com um bando
de crianças soltas em um pátio, ao redor de uma bela jabuticabeira que fornecia
sombra o ano todo e no mês de setembro nos oferecia suas doces jabuticabas que
caídas ao chão e pisoteadas pela alunada, misturava-se à terra do pátio
formando uma lama azul-arroxeada mudando a cor – principalmente das camisas
brancas do uniforme. O que era uma farra para nós, era um tormento para as mães
que tinham de lavar os uniformes para o dia seguinte. E não adiantavam broncas
ou ameaças, no dia seguinte a farra se repetia, com o mesmo resultado... E
assim foi durante os quatro anos do primário.
No
quarto ano, concomitantemente com o ensino regular, fazíamos o preparatório
para o famigerado exame de admissão ao ginásio, uma espécie de avant première do vestibular para o
curso superior.
No
ginásio, no Liceu Piauiense, a hora do recreio foi substituída pelos intervalos
entre as aulas de diversas matérias, anunciados por uma estridente sirene em
lugar da sineta e ao invés de jabuticabeira, havia ao redor do pátio,
oitizeiros que produziam frutos sem sabor, servindo apenas como munição para as
batalhas entre turmas.
Mas
aí é outra história...

Nenhum comentário:
Postar um comentário