segunda-feira, 8 de julho de 2019

CHEZ LES PELADÕES



Daniel Cariello*

                Fui convidado a passar uns dias em um clube naturista, um vilarejo onde ninguém precisa se preocupar em cobrir as vergonhas, porque ali não são vergonhas. Você pode ir às compras com as carnes à mostra, pedalar uma bicicleta sem lenço e sem documento, fazer aula de ioga revelando todos os chakras, passear pela praia bronzeando lugares que nunca pegam sol.
                Ou seja: você vive nu.
                Melhor, você pode viver nu. E esse é o barato. No campo naturista, toda nudez não será castigada, será casta. No entanto, ninguém é forçado a se desvelar. Quem preferir se cobrir, tudo bem. As pessoas têxteis, as vestidas, são bem aceitas por lá. Só não entram na piscina, onde é obrigatório mostrar a carteirinha.
                Foi para um recanto assim, no meio da natureza, sul da França, que fui convidado. Claro que algumas questões rondaram a cabeça, mas acabei de chegar aos 45 anos e recentemente rascunhei uma daquelas listas de “coisas a fazer antes dos 50”. Frequentar um clube naturista fazia parte, perdida entre ideias tão radicais quanto idiotas como surfar em Nazaré e participar da corrida de touros nas ruas de Pamplona. Ao lado desses devaneios, andar pelos caminhos arborizados do vilarejo vestindo apenas óculos escuros me pareceu uma ideia bem razoável. Topei na hora.
                Estava tão no espírito da coisa que mal cheguei ao lugar e já comecei a me despir.
— C’est très bien, Daniel. Mas você também pode esperar a gente estacionar o carro.
— Désolé, me animei.
                Após me instalar no chalé onde passaria os próximos dias, deixei meu calção de banho na mala e parti para a praia, encontrando e saudando desconhecidos peladões de todas as idades, vivendo suas vidas exatamente como fora dali, com a diferença de não precisarem se preocupar com o traje para o “apéro” de logo mais.
                Depois de atravessar a faixa de vegetação entre o vilarejo e o mar, vi a praia vazia, apesar do dia quente. Os poucos espalhados pela faixa de areia estavam vestidos, numa brochante inversão de expectativas. Alçado à condição de solitário defensor prático de naturismo naquele espaço-tempo, desci a duna à poil. Em pêlo.
                Só chegando embaixo senti que o vento soprava forte e a areia castigava as partes descobertas. Todas, no meu caso. Mesmo assim, decidi ficar, as condições climáticas desfavoráveis não inibiriam minha première. Estiquei a toalha, deitei e relaxei, procurando não me importar com o vento.
                Passei dias encontrando areia em lugares improváveis.
*Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

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