domingo, 18 de agosto de 2019

CAXIAS É CAXIAS PONTE É PONTE

Praça Dias Carneiro (Pantheon) - Caxias/MA



Carlos Alberto Monteiro Falcão

Em um fatídico 2 de janeiro de 1971, na minha tenra lembrança, um dia triste e chuvoso,  Tio “Manelão” como era conhecido na cidade apareceu à porta da casa e anunciou que nas primeiras horas do dia tinha ocorrido o falecimento do patriarca da família, na distante cidade do Rio de Janeiro. Na inocência dos poucos anos de idade, o entendimento sobre a gravidade do momento veio pelo semblante de consternação do responsável pela infeliz notícia e pelo pranto dos irmãos mais velhos. 
Após o período de luto absoluto, como era de costume na época, minha mãe decidiu  sair do Ponte e morar  “nas Caxias”,  como até hoje os moradores do bairro chamam o centro da cidade... Caxias. Precisávamos ficar mais perto do comércio no mercado Central. Lá fomos morar na rua São José, em uma casa grande, ao lado da antiga fábrica de tecidos,  bem  próximo do colégio das irmãs, onde estudávamos.  Aos poucos fomos nos acostumando com aquela vida agitada, uma verdadeira muvuca. Os dias pareciam começar mais cedo com a chegada dos frequentadores e trabalhadores do mercado.
A rua tinha amendoeiras  gigantes, as quais serviam de estacionamento para animais de carga que traziam iguarias para serem negociadas no mercado.  Toda manhã, para ir à escola,  enfrentava a travessia da feira e, se ainda estava meio sonolento, despertava com a gritaria dos feirantes, como se quem gritasse mais alto conquistasse o cliente como um passe de mágica. Essa magia me tornou um amante dos mercados. Em todas as cidades onde passo, o Mercado Municipal faz parte do roteiro turístico.  
À tarde,  o compromisso era com o comércio no mercado.  Entre os fardos de farinha, arroz e feijão, fazíamos os deveres de matemática, português e ciências. Utilizava caroços de feijão e milho para decorar a tabuada. É, mas entre uma tarefa e outra e às vezes, no meio da tarefa, o pensamento viajava para o saudoso Bairro Ponte, mais precisamente, para o riacho do Ponte...  para as pescarias e banhos nos portos da bacia, do tintor, da maçonaria e AABB, contando os dias para chegar as tão sonhadas férias.  Daí era só organizar a mochila e pegar a Kombi na praça do Pantheon. Era uma grande aventura... sempre muito lotada, com portas abertas e o cobrador com parte do corpo do lado de fora, anunciando que saía mais uma condução para o “paraíso”. A medida que nos aproximávamos, ficava mais eufórico na expectativa de encontrar os companheiros de pescaria. 
Os gêmeos  Bina e Nonatin, sobrinhos de sangue da Tia Carmem, tia de coração,  porque a adotei como tal, ou melhor, fui adotado por ela.  Senhorinha simples, que nunca casou-se e dedicou a sua vida na criação dos sobrinhos. Fazia doces para complementar a renda da aposentadoria, os quais eram vendidos na porta de casa ou na quitanda do seu Mimí. Pra mim tudo era mágico, adorava passar as goiabas  na arupemba,  remover os caroços e preparar a massa para fazer doces e cocadas. 
Mas voltando aos parceiros gêmeos,  estes são filhos do mais importante e habilidoso marceneiro da região. A maioria dos móveis dos moradores do bairro foi fabricado por ele e o seus filhos, que, desde cedo já demonstravam a mesma habilidade. Fabricavam brinquedos com perfeição, o que gerava algum dinheiro. O Nonatin, teve paralisia infantil, o que o deixou com uma perna maior que a outra, o que não o impedia de correr e até jogar futebol, sem falar que a deficiência até parecia facilitar o seu desempenho nas águas do riacho. Nadava com muita habilidade, superando vários garotos da sua idade. Os mais velhos diziam que Deus o aleijou para não perdê-lo de vista, não deu certo.  
Nessas férias, os dias começavam bem cedo, antes mesmo do café da manha já estávamos na beira do riacho passarinhando. Baladeiras na mão e um mocó cheio de pedras selecionadas com cuidado para serem as mais certeiras possíveis. Coitado dos pobres passarinhos.  Quando o sol esquentava, hora da pescaria e depois o banho nas águas límpidas daquele imenso riacho.... saudades dessa época!.

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