A. J. de O. Monteiro
CENA 1 – O ACIDENTE
D.
Hermínia Villahermosa, cochilava refastelada na confortável poltrona do salão
nobre da mais suntuosa mansão da Colônia Roma, Cidade do México, enquanto esperava
o cotidiano chá das cinco, quando, esbaforida e aos prantos irrompe sua
sobrinha Emereciana Villahermosa. D. Hermínia acorda assustada e, já chorando,
pergunta:
—
O que houve querida sobrinha? Qual o motivo de tão lacrimoso pranto?
—
Uma tragédia, amada titia, uma tragédia! Ricardo Adolfo, meu adorado irmão e
seu também querido sobrinho acaba de ser atropelado por um tuc-tuc* e foi levado em estado grave para o hospital...
Abraçando
a sobrinha, D. hermínia exclama! – “Oh meu Deus! Que tragédia! Que a Virgem de
Guadalupe o proteja”! ...
Nisso
entra Juanita Nadeduda, a criada de origem asteca, trazendo a bandeja com a
chávena, biscoitos e duas xícaras (como que ela adivinhou que Emereciana havia
chegado, não se sabe) e vendo as duas abraçadas, chorando, também em prantos,
perguntou:
—
O que ocorre minhas senhoras? Por que estamos todas chorando?
—
Uma tragédia, Juanita, Uma tragédia – responderam as duas ao mesmo tempo.
Ricardo Adolfo, nosso adorado sobrinho e irmão acaba de ser atropelado por um tuc-tuc e foi levado em estado grave
para o hospital...
—
E agora, como vamos dar esta trágica notícia para Dom Diego Hernán Villahermosa
y Ortega y Escobar y Rivera y Martinez y Aguero y Olivares da Silva? Ele tem
verdadeiro amor pelo sobrinho Ricardo Adolfo. Será que vai suportar?
Nisso
o diretor Hector Basbaque, num salto, sai da cadeira de diretor com seu nome
gravado e, histericamente, grita:
—
Juanita, vá tirar esse relógio do pulso! Já lhe disse que criada não pode usar
“cartier”, mesmo sendo um autêntico xing-ling,
não pode!
—
Mas, diretor, este “cartier” foi um presente do meu namorado e prometi a ele
jamais tirá-lo do pulso...
—
Juanita! Você não tem namorado nesta trama... Tira logo esse relógio
—
Estou falando do meu namorado na vida real e não vou tirar!
—
Então vou tirá-la do elenco... E virando-se para o primeiro assistente, berra: -
“Traga a Minalba! (Minalba Rosalina, atriz reserva e pau pra toda obra).
Doravante ela fará a Juanita”!
Entra
então o atrapalhado contra regra com uma garrafa de água mineral na mão –
“pronto Dr. Diretor, eis aqui sua minalba”
...
Furiosa
e aos prantos – agora de verdade – Juanita tira ali mesmo em frente a todos a
roupa cenográfica e com o “Cartier” no pulso sai correndo, balançando suas
enormes ancas...
Minalba
Rosalina, já caracterizada como Juanita entra em cena e, já chorando, repete a
última fala da Juanita demitida: - “E agora, como vamos dar esta trágica
notícia para Dom Diego Hernan etc, etc, etc da Silva? Ele tem verdadeiro amor
pelo sobrinho Ricardo Adolfo. Será que vai suportar?
CENA
2 – DOM DIEGO HERNÁN ETC, ETC, ETC DA SILVA ENTRA EM CENA
Entra
Dom Diego Hernan etc, etc, etc da Silva com uma garrafa de tequila numa mão e
um saleiro na outra; a gravata em volta da cabeça à guisa de faixa apache e a
braguilha aberta deixando dona bela na janela pegando uma fresca. Com voz
pastosa pergunta:
—
O que houve? Que clima de velório é este? Animemo-nos... Alegria! Alegria!
Juanita, tequila pra todos...
—
Uma tragédia, Dom Diego Hernán etc, etc, etc da Silva, uma tragédia – falaram
as três ao mesmo tempo – Ricardo Adolfo, etc, etc, etc...
O
diretor novamente salta da cadeira e berra: - “Dom Diego Hernán etc, etc, etc
da Silva! Componha-se! Solte essa garrafa, tire a gravata da cabeça e feche
essa braguilha! Isso aqui não é pornô” ...
CENA
3 – TODOS PARA O HOSPITAL
D.
Hermínia ordena:
—
Juanita, diga para o juanito (que falta de imaginação do roteirista) preparar o
carro para levar-nos ao hospital...
—
Pois não, D. Hermínia – e, sem se afastar, berra: Juanito traz o carro para
levar-nos ao hospital!
O
diretor, irritadíssimo, interrompe mais uma vez: - “Você não, Juanita, você não
vai ao hospital! Só as senhoras e Dom Diego Hernán etc, etc, etc da Silva! Onde
já se viu criada andar junto com os patrões na limusine da família...
Juanito
para a porta da suntuosa mansão e buzina para avisar que está a postos. Todos
correm para entrar na limusine que os levará ao hospital: Dom Diego Hernán etc,
etc, etc da Silva, D. Hermínia e Emereciana. Todos ainda chorando.
Juanito,
já aos prantos, pergunta:
—
O que houve, queridos patrões?
—
Uma tragédia, Juanito – respondem todos ao mesmo tempo. Uma tragédia! etc, etc,
etc...
CENA
4 – NO HOSPITAL
Mal
o carro para em frente ao hospital, todos desembarcam e sobem as escadarias do
imponente prédio onde são imediatamente recebidos pelo Prof. Dr. Emiliano Gandra
que movimentando o enorme bigode pra cima e pra baixo enquanto falava (o bigode
ainda continha resíduos do guacamole**
do almoço), tratou logo de tranquiliza-los dizendo que Ricardo Adolfo não
corria risco de morrer, mas que poderia ficar com alguma sequelas.
Explicou-lhes o esculápio que o paciente tivera os intestinos perfurados no
acidente e que coliformes fecais poderiam ter penetrado na corrente sanguínea e,
caso os coliformes chegassem ao cérebro, ele poderia ser acometido de
verborragia crônica e falar merda pelo resto da vida. Desculpem-me senhoras o
termo usado... Podem agora ir vê-lo no apartamento.
No
apartamento encontraram Ricardo Adolfo, ainda meio grogue da anestesia, com as
mãos em concha e voltadas para o rosto conversando com sua “baratinha
imaginária”, em perfeito portunhol:
—
Por que estás tan triste cucaracha?
—
Por que no acidente perdi dos patitas de atrás...
—
No fiques asi, mi cucarachita, providenciarei
que lhe implantem dos patitas de madera.
Os
visitantes, em êxtase, começaram a dançar, rir e chorar ao mesmo tempo por
perceberem que Ricardo Adolfo não teria nenhuma sequela; continuaria o mesmo
parvo de sempre...
Ao
deixarem o apartamento, já no corredor, cruzaram com uma enfermeira que lhes
lembrou alguém conhecida. D. Hermínia falou: - “pareceu Juanita, não acharam”?
Olharam para trás e, pelo balançar das ancas, tiveram certeza... Sim, era
Juanita.
Bem,
é hora de revelar o segredo dos dois: Ricardo Adolfo e Juanita – foi ele que
lhe deu o malfadado “Cartier” xing-ling
– mantinham, sem o conhecimento de ninguém mais além de Juanito, um romance que
jamais seria aceito pela nobiliárquica família de Dom Diego Hernán etc, etc,
etc da Silva. Nunca que uma criada de ascendência asteca poderia namorar um
membro da linhagem Villahermosa y Ortega y Escobar y Rivera y Martinez y Aguero
y Olivares da Silva. Nunca!
x.x.x.x.x.x.x
Ao
fim, como em todo drama baseado em fatos da vida real, vamos aos rumos que
tomaram cada um dos personagens:
DOM
DIEGO HERNÁN etc, etc, etc da Silva depois que teve a hipoteca da mansão
executada pelo banco, juntou o pouco que lhe sobrou e fugiu para o Rio de
Janeiro onde, em sociedade com um famoso ex-jogador de futebol abriu um cabaré
na Lapa, especializado em Tequila e música Mariachi.
D.
HERMÍNIA quando se viu privada dos luxos e confortos da mansão passou a beber
tequila compulsivamente, mudou-se para Ciudad Neza também conhecida como Ciudad
Perdida onde mora numa cabeça de porco com sua querida sobrinha Emereciana.
EMERECIANA
como sabemos mora com D. Hermínia em Ciudad Neza e ganha a vida como “striper”
em boate de quinta categoria.
RICARDO
ADOLFO E JUANITA mandaram as favas as convenções sociais, casaram-se, e
sobrevivem com o que ganham nos semáforos da cidade. Ele apresentando um número
de acrobacia com cucarachas que ele
próprio amestrou e ela fazendo malabarismo com as ancas.
JUANITO
criou um aplicativo de transporte com tuc-tuc,
com o qual ficou milionário. Pensa em levar o serviço para o Brasil, mas tem
enfrentado forte resistência dos taxistas e moto taxistas que em defesa da
farinha escassa, finalmente, uniram-se.
PROF.
DR. EMILIANO GANDRA abandonou a medicina e abriu um restaurante de comidas
típicas mexicanas na Fifth Avenue/NY, tendo como carro chefe o guacamole.
*Triciclo motorizado e com cabine
para transporte de até dois passageiros.
**Iguaria típica da culinária mexicana, a base de
abacate, servida com uma grande variedade de pratos.

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