quarta-feira, 14 de agosto de 2019

ROTEIRO PARA UM DRAMA MEXICANO



A. J. de O. Monteiro

CENA 1 – O ACIDENTE
                D. Hermínia Villahermosa, cochilava refastelada na confortável poltrona do salão nobre da mais suntuosa mansão da Colônia Roma, Cidade do México, enquanto esperava o cotidiano chá das cinco, quando, esbaforida e aos prantos irrompe sua sobrinha Emereciana Villahermosa. D. Hermínia acorda assustada e, já chorando, pergunta:
                — O que houve querida sobrinha? Qual o motivo de tão lacrimoso pranto?
                — Uma tragédia, amada titia, uma tragédia! Ricardo Adolfo, meu adorado irmão e seu também querido sobrinho acaba de ser atropelado por um tuc-tuc* e foi levado em estado grave para o hospital...
                Abraçando a sobrinha, D. hermínia exclama! – “Oh meu Deus! Que tragédia! Que a Virgem de Guadalupe o proteja”! ...
                Nisso entra Juanita Nadeduda, a criada de origem asteca, trazendo a bandeja com a chávena, biscoitos e duas xícaras (como que ela adivinhou que Emereciana havia chegado, não se sabe) e vendo as duas abraçadas, chorando, também em prantos, perguntou:
                — O que ocorre minhas senhoras? Por que estamos todas chorando?
                — Uma tragédia, Juanita, Uma tragédia – responderam as duas ao mesmo tempo. Ricardo Adolfo, nosso adorado sobrinho e irmão acaba de ser atropelado por um tuc-tuc e foi levado em estado grave para o hospital...
                — E agora, como vamos dar esta trágica notícia para Dom Diego Hernán Villahermosa y Ortega y Escobar y Rivera y Martinez y Aguero y Olivares da Silva? Ele tem verdadeiro amor pelo sobrinho Ricardo Adolfo. Será que vai suportar?
                Nisso o diretor Hector Basbaque, num salto, sai da cadeira de diretor com seu nome gravado e, histericamente, grita:
                — Juanita, vá tirar esse relógio do pulso! Já lhe disse que criada não pode usar “cartier”, mesmo sendo um autêntico xing-ling, não pode!
                — Mas, diretor, este “cartier” foi um presente do meu namorado e prometi a ele jamais tirá-lo do pulso...
                — Juanita! Você não tem namorado nesta trama... Tira logo esse relógio
                — Estou falando do meu namorado na vida real e não vou tirar!
                — Então vou tirá-la do elenco... E virando-se para o primeiro assistente, berra: - “Traga a Minalba! (Minalba Rosalina, atriz reserva e pau pra toda obra). Doravante ela fará a Juanita”!
                Entra então o atrapalhado contra regra com uma garrafa de água mineral na mão – “pronto Dr. Diretor, eis aqui sua minalba” ...
                — Some daqui imbecil, não pedi água mineral e, quando eu pedir, traga-me uma Perrier...
                Furiosa e aos prantos – agora de verdade – Juanita tira ali mesmo em frente a todos a roupa cenográfica e com o “Cartier” no pulso sai correndo, balançando suas enormes ancas...
                Minalba Rosalina, já caracterizada como Juanita entra em cena e, já chorando, repete a última fala da Juanita demitida: - “E agora, como vamos dar esta trágica notícia para Dom Diego Hernan etc, etc, etc da Silva? Ele tem verdadeiro amor pelo sobrinho Ricardo Adolfo. Será que vai suportar?
                CENA 2 – DOM DIEGO HERNÁN ETC, ETC, ETC DA SILVA ENTRA EM CENA
                Entra Dom Diego Hernan etc, etc, etc da Silva com uma garrafa de tequila numa mão e um saleiro na outra; a gravata em volta da cabeça à guisa de faixa apache e a braguilha aberta deixando dona bela na janela pegando uma fresca. Com voz pastosa pergunta:
                — O que houve? Que clima de velório é este? Animemo-nos... Alegria! Alegria! Juanita, tequila pra todos...
                — Uma tragédia, Dom Diego Hernán etc, etc, etc da Silva, uma tragédia – falaram as três ao mesmo tempo – Ricardo Adolfo, etc, etc, etc...
                O diretor novamente salta da cadeira e berra: - “Dom Diego Hernán etc, etc, etc da Silva! Componha-se! Solte essa garrafa, tire a gravata da cabeça e feche essa braguilha! Isso aqui não é pornô” ...    
                CENA 3 – TODOS PARA O HOSPITAL
                D. Hermínia ordena:
                — Juanita, diga para o juanito (que falta de imaginação do roteirista) preparar o carro para levar-nos ao hospital...
                — Pois não, D. Hermínia – e, sem se afastar, berra: Juanito traz o carro para levar-nos ao hospital!  
                O diretor, irritadíssimo, interrompe mais uma vez: - “Você não, Juanita, você não vai ao hospital! Só as senhoras e Dom Diego Hernán etc, etc, etc da Silva! Onde já se viu criada andar junto com os patrões na limusine da família...
                Juanito para a porta da suntuosa mansão e buzina para avisar que está a postos. Todos correm para entrar na limusine que os levará ao hospital: Dom Diego Hernán etc, etc, etc da Silva, D. Hermínia e Emereciana. Todos ainda chorando.
                Juanito, já aos prantos, pergunta:
                — O que houve, queridos patrões?
                — Uma tragédia, Juanito – respondem todos ao mesmo tempo. Uma tragédia! etc, etc, etc... 
                CENA 4 – NO HOSPITAL
                Mal o carro para em frente ao hospital, todos desembarcam e sobem as escadarias do imponente prédio onde são imediatamente recebidos pelo Prof. Dr. Emiliano Gandra que movimentando o enorme bigode pra cima e pra baixo enquanto falava (o bigode ainda continha resíduos do guacamole** do almoço), tratou logo de tranquiliza-los dizendo que Ricardo Adolfo não corria risco de morrer, mas que poderia ficar com alguma sequelas. Explicou-lhes o esculápio que o paciente tivera os intestinos perfurados no acidente e que coliformes fecais poderiam ter penetrado na corrente sanguínea e, caso os coliformes chegassem ao cérebro, ele poderia ser acometido de verborragia crônica e falar merda pelo resto da vida. Desculpem-me senhoras o termo usado... Podem agora ir vê-lo no apartamento.
                No apartamento encontraram Ricardo Adolfo, ainda meio grogue da anestesia, com as mãos em concha e voltadas para o rosto conversando com sua “baratinha imaginária”, em perfeito portunhol:
                — Por que estás tan triste cucaracha?
                — Por que no acidente perdi dos patitas de atrás...
                — No fiques asi, mi cucarachita, providenciarei que lhe implantem dos patitas de madera.
                Os visitantes, em êxtase, começaram a dançar, rir e chorar ao mesmo tempo por perceberem que Ricardo Adolfo não teria nenhuma sequela; continuaria o mesmo parvo de sempre...
                Ao deixarem o apartamento, já no corredor, cruzaram com uma enfermeira que lhes lembrou alguém conhecida. D. Hermínia falou: - “pareceu Juanita, não acharam”? Olharam para trás e, pelo balançar das ancas, tiveram certeza... Sim, era Juanita.
                Bem, é hora de revelar o segredo dos dois: Ricardo Adolfo e Juanita – foi ele que lhe deu o malfadado “Cartier” xing-ling – mantinham, sem o conhecimento de ninguém mais além de Juanito, um romance que jamais seria aceito pela nobiliárquica família de Dom Diego Hernán etc, etc, etc da Silva. Nunca que uma criada de ascendência asteca poderia namorar um membro da linhagem Villahermosa y Ortega y Escobar y Rivera y Martinez y Aguero y Olivares da Silva. Nunca!
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                Ao fim, como em todo drama baseado em fatos da vida real, vamos aos rumos que tomaram cada um dos personagens:
                DOM DIEGO HERNÁN etc, etc, etc da Silva depois que teve a hipoteca da mansão executada pelo banco, juntou o pouco que lhe sobrou e fugiu para o Rio de Janeiro onde, em sociedade com um famoso ex-jogador de futebol abriu um cabaré na Lapa, especializado em Tequila e música Mariachi.
                D. HERMÍNIA quando se viu privada dos luxos e confortos da mansão passou a beber tequila compulsivamente, mudou-se para Ciudad Neza também conhecida como Ciudad Perdida onde mora numa cabeça de porco com sua querida sobrinha Emereciana.
                EMERECIANA como sabemos mora com D. Hermínia em Ciudad Neza e ganha a vida como “striper” em boate de quinta categoria.
                RICARDO ADOLFO E JUANITA mandaram as favas as convenções sociais, casaram-se, e sobrevivem com o que ganham nos semáforos da cidade. Ele apresentando um número de acrobacia com cucarachas que ele próprio amestrou e ela fazendo malabarismo com as ancas.
                JUANITO criou um aplicativo de transporte com tuc-tuc, com o qual ficou milionário. Pensa em levar o serviço para o Brasil, mas tem enfrentado forte resistência dos taxistas e moto taxistas que em defesa da farinha escassa, finalmente, uniram-se.
                PROF. DR. EMILIANO GANDRA abandonou a medicina e abriu um restaurante de comidas típicas mexicanas na Fifth Avenue/NY, tendo como carro chefe o guacamole.
*Triciclo motorizado e com cabine para transporte de até dois passageiros.
**Iguaria típica da culinária mexicana, a base de abacate, servida com uma grande variedade de pratos.

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