Carlos
Alberto Monteiro Falcão
Major proprietário de terras à beira do Velho Monge, do lado do
Maranhão, já não aguentava mais ver os seus burregos, frangos e até umas
cabeças de rês tombarem por conta de picadas vorazes de ofídios. O problema era
tão grave que já tinha dificuldade até para contratar pessoal para preparar o
terreno após as primeiras chuvas e plantar o milho, feijão e a mandioca para o
gado. Aqui e acolá um trabalhador sofria um ataque das peçonhentas e o Major
tinha que correr para Teresina em busca de ajuda médica. A famigerada cascavel, a jararaca, jararacuçu,
surucucu e coral derruba-boi estão entre as já avistadas na propriedade.
O homem já tinha procurado todos os recursos para resolver o
problema, desde a benção do Vigário que vinha periodicamente de Matões para o
povoado próximo, um pai-de-santo lá das Parnarama, uma rezadeira da região do
Riacho dos Pretos e até um pajé de Barra-do-Corda e nada, vez por outra estava
lá uma ovelha ou uma vaca morta por um demônio rastejante. O pobre major já
estava entregando a rapadura”, pensando
em se desfazer das terras por qualquer tostão e levar as suas criações para
outra região. No bar do Dema, do outro lado do rio, não se falava em outra
coisa. No Bom Futuro, esse bar era uma
“parada obrigatória” de todos que passavam por aquelas bandas. Lá se reuniam
para tomar uma cervejinha e jogar conversa fora os donos de sítios, moradores
da região, caçadores, pescadores e outros mentirosos. Claro que o líder das
estórias era o proprietário. Foi então
que, num dia de chuva, um viajante vendendo miudezas de primeira necessidades
para os comércios da região, apoitou no bar do Dema e, ouvindo os comentários
sobre o infortúnio do Major, comentou que existia um rezador, o Seu Mundico, lá
para as bandas da baixada maranhense que certamente resolveria esse pendenga,
enumerando as varias situações de êxito, o que o fez conhecido em toda a região
pelas sua proezas. Mais que depressa, o
Dema colocou a canoa nas águas, atravessou rio para levar a boa nova ao
cabisbaixo fazendeiro. Após a ouvir a história do amigo, o homem pulou da rede,
pegou o chapéu e correu para a beira do rio, ansioso para chegar logo do outro lado
e pegar mais informações sobre esse suposto “salvador da pátria “. Chegando no estabelecimento, o Major tratou de
se identificar e foi logo querendo saber como encontrar esse rezador. Entre um
copo e outro de cerveja, agora já por conta do Major, o viajante foi contando
as aventuras do herói das cobras, sem nenhuma pressa, já que a gelada estava
por conta. O homem deu todas as dicas de como encontrar o afamado rezador.
O pobre fazendeiro viajou no mesmo dia para Teresina e, de lá,
fretou um carro para a baixada, garantindo que só voltava de lá, trazendo o
bendito rezador. La na baixada, no povoado indicado pelo viajante, o major
apeou, e após meia hora de caminhada por veredas que sequer passava carro, ele
chegou ao destino. Finalmente a casa do “seu Mundico”. Casa simples, de um homem
sozinho, franzino de uns 60 anos de idade. Logo convidou o visitante para se
abancar e tomar um café. Ouviu atentamente os lamentos do fazendeiro e foi logo
dando o diagnóstico. ” Caso complicado”.
Precisa de um serviço especial. O rezador passou uma lista de materiais, ervas
e gororobas que o fazendeiro teria que comprar. Pela gravidade do caso, não
houve embate quanto ao preço do serviço e resolveram que era um caso urgente.
Ao final do dia a dupla já se deslocava com destino ao povoado Bom Futuro. Chegando
na fazenda, o rezador passou o dia fazendo reconhecimento da área, percorrendo as
veredas da fazenda. À noite, pediu uma reunião com todos os moradores da terra,
recebeu os materiais solicitados e pediu que todos saíssem da terra e deixassem
todos os animais presos. Depois que
todos saíram, começou a preparação para o grande embate. Garrafadas à base de
manjericão, capim-limão e arruda, acompanhadas de terços e cadernos antigos
contendo rezas para todos os tipos de encantamentos. Antes do amanhecer o Mundico saiu de casa puxando
uma burrinha com todos os apetrechos no lombo, circulando pelos quatro cantos
da fazenda e, entre uma reza e outra, espalhava os produtos mágicos. No canto
mais distante da sede, o rezador abriu uma pequena porteira no cercado, por
onde as peçonhentas deveriam sair.
Após dois dias de agonia e ansiedade, o Major voltou, soltou os
animais e recomendou que todos os moradores e diaristas circulassem por cada
canto da terra e conferissem se realmente as pestes rastejantes teriam ido embora,
condição para pagamento do serviço. Após uma semana o fazendeiro comemorou a
vitória em grande estilo. Matou uma rês e convidou todos os vizinhos para
conhecer o herói, regado a muita cerveja e churrasco.
Todos queriam conhecer o grande rezador que encantou as cobras da
região. Foi festa pra mais de 24 horas e, claro, a principal estrela era o
rezador Mundico. A história rola até
hoje no bar do Dema. Ele garante que desobedeceu as orientações do rezador e
foi acompanhar o serviço. Segundo o comerciante, lá na porteira criada para as
cobras saírem, o tráfego das rastejantes era tão grande que ele passou muito
mais de duas horas sem ver o chão da porteira.
Eita!...

Nenhum comentário:
Postar um comentário