quarta-feira, 25 de setembro de 2019

ENCANTADOR DE COBRAS




Carlos Alberto Monteiro Falcão

Major proprietário de terras à beira do Velho Monge, do lado do Maranhão, já não aguentava mais ver os seus burregos, frangos e até umas cabeças de rês tombarem por conta de picadas vorazes de ofídios. O problema era tão grave que já tinha dificuldade até para contratar pessoal para preparar o terreno após as primeiras chuvas e plantar o milho, feijão e a mandioca para o gado. Aqui e acolá um trabalhador sofria um ataque das peçonhentas e o Major tinha que correr para Teresina em busca de ajuda médica.  A famigerada cascavel, a jararaca, jararacuçu, surucucu e coral derruba-boi estão entre as já avistadas na propriedade.
O homem já tinha procurado todos os recursos para resolver o problema, desde a benção do Vigário que vinha periodicamente de Matões para o povoado próximo, um pai-de-santo lá das Parnarama, uma rezadeira da região do Riacho dos Pretos e até um pajé de Barra-do-Corda e nada, vez por outra estava lá uma ovelha ou uma vaca morta por um demônio rastejante. O pobre major já estava     entregando a rapadura”, pensando em se desfazer das terras por qualquer tostão e levar as suas criações para outra região. No bar do Dema, do outro lado do rio, não se falava em outra coisa.  No Bom Futuro, esse bar era uma “parada obrigatória” de todos que passavam por aquelas bandas. Lá se reuniam para tomar uma cervejinha e jogar conversa fora os donos de sítios, moradores da região, caçadores, pescadores e outros mentirosos. Claro que o líder das estórias era o proprietário.  Foi então que, num dia de chuva, um viajante vendendo miudezas de primeira necessidades para os comércios da região, apoitou no bar do Dema e, ouvindo os comentários sobre o infortúnio do Major, comentou que existia um rezador, o Seu Mundico, lá para as bandas da baixada maranhense que certamente resolveria esse pendenga, enumerando as varias situações de êxito, o que o fez conhecido em toda a região pelas sua proezas.  Mais que depressa, o Dema colocou a canoa nas águas, atravessou rio para levar a boa nova ao cabisbaixo fazendeiro. Após a ouvir a história do amigo, o homem pulou da rede, pegou o chapéu e correu para a beira do rio, ansioso para chegar logo do outro lado e pegar mais informações sobre esse suposto “salvador da pátria “.  Chegando no estabelecimento, o Major tratou de se identificar e foi logo querendo saber como encontrar esse rezador. Entre um copo e outro de cerveja, agora já por conta do Major, o viajante foi contando as aventuras do herói das cobras, sem nenhuma pressa, já que a gelada estava por conta. O homem deu todas as dicas de como encontrar o afamado rezador.
O pobre fazendeiro viajou no mesmo dia para Teresina e, de lá, fretou um carro para a baixada, garantindo que só voltava de lá, trazendo o bendito rezador. La na baixada, no povoado indicado pelo viajante, o major apeou, e após meia hora de caminhada por veredas que sequer passava carro, ele chegou ao destino. Finalmente a casa do “seu Mundico”. Casa simples, de um homem sozinho, franzino de uns 60 anos de idade. Logo convidou o visitante para se abancar e tomar um café. Ouviu atentamente os lamentos do fazendeiro e foi logo dando o diagnóstico.  ” Caso complicado”. Precisa de um serviço especial. O rezador passou uma lista de materiais, ervas e gororobas que o fazendeiro teria que comprar. Pela gravidade do caso, não houve embate quanto ao preço do serviço e resolveram que era um caso urgente. Ao final do dia a dupla já se deslocava com destino ao povoado Bom Futuro. Chegando na fazenda, o rezador passou o dia fazendo reconhecimento da área, percorrendo as veredas da fazenda. À noite, pediu uma reunião com todos os moradores da terra, recebeu os materiais solicitados e pediu que todos saíssem da terra e deixassem todos os animais presos.  Depois que todos saíram, começou a preparação para o grande embate. Garrafadas à base de manjericão, capim-limão e arruda, acompanhadas de terços e cadernos antigos contendo rezas para todos os tipos de encantamentos.  Antes do amanhecer o Mundico saiu de casa puxando uma burrinha com todos os apetrechos no lombo, circulando pelos quatro cantos da fazenda e, entre uma reza e outra, espalhava os produtos mágicos. No canto mais distante da sede, o rezador abriu uma pequena porteira no cercado, por onde as peçonhentas deveriam sair.
Após dois dias de agonia e ansiedade, o Major voltou, soltou os animais e recomendou que todos os moradores e diaristas circulassem por cada canto da terra e conferissem se realmente as pestes rastejantes teriam ido embora, condição para pagamento do serviço. Após uma semana o fazendeiro comemorou a vitória em grande estilo. Matou uma rês e convidou todos os vizinhos para conhecer o herói, regado a muita cerveja e churrasco.
Todos queriam conhecer o grande rezador que encantou as cobras da região. Foi festa pra mais de 24 horas e, claro, a principal estrela era o rezador Mundico.  A história rola até hoje no bar do Dema. Ele garante que desobedeceu as orientações do rezador e foi acompanhar o serviço. Segundo o comerciante, lá na porteira criada para as cobras saírem, o tráfego das rastejantes era tão grande que ele passou muito mais de duas horas sem ver o chão da porteira.  Eita!...

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