Daniel Cariello*
O
cara tocou a campainha: prazer, sou Jorge. Eu escutei Seu Jorge e a verdade é
que não gosto do Seu Jorge. Quer dizer, não gosto da música, não conheço o
cara, mas como o que chegou pra mim foram as canções, então posso dizer que não
gosto do Seu Jorge, não tô falando do Jorge, que acabou de chegar.
Vai
entrando, seu Jorge, só não canta. O quê, ele perguntou. Nada, tava pensando
alto, o fogão tá ali atrás, dá pra arrumar? Fica tranquilo, meu jovem, meu
trabalho é esse. Fiquei tranquilo, o trabalho dele era esse, fui pra sala. Até
que um “bam bam bam” seco e alto invadiu o apartamento. O que é esse “bam bam
bam” seco e alto, seu Jorge? Ah, não é nada. Ou quase nada. É que tem um
parafuso preso aqui, o diacho não sai. E precisa martelar? Precisa, tenho que
quebrar o treco. Só tenta deixar meu fogão inteiro, ainda preciso fazer o
feijão.
Pode
vir aqui, ele chamou. Posso. O que houve? É que a gente esqueceu de trazer a
chave pra regular a chama. A gente esqueceu? É, esqueceu, ele disse. E o que a
gente vai fazer agora?, perguntei. A gente vai pra casa e volta amanhã, porque
sem a ferramenta não dá pra fazer nada. Tô aqui às 9.
Deu
9 e nada. Não vem nunca mais, pensei, quando ding dong, tocou a campainha. Era
o seu Jorge, uniformizado pro trabalho, de sandália de dedo, bermuda e regata
do Framengo. Curte o Rubro Negro? Quem? O Flamengo. Adoro, meu time. Meu
também, mas e o fogão? Esse eu gosto da época do Garrincha e do Nilton Santos.
Não, tô falando do fogão de cozinhar. O que tem? Você não veio arrumar? Ah,
vim, como ele tá? Tá bem, mas triste, desde que você o abandonou sem conserto.
Vou lá. Vai.
Olha,
meu jovem, essa mangueira aqui não tá boa. Eu sei, por isso que te chamei.
Vamos precisar trocar. Sim, vamos trocar. Só que acontece que agora não vamos
ter tempo, é aniversário da minha neta, lá em Jacarepaguá. Agora não vamos ter
tempo? Não, sacumé, é sábado e tá tudo fechando e Jacarepaguá é longe pra
caramba. Mas e aí, o meu feijão? Aí eu vou dar uma rosca na mangueira e venho
trocar depois. Uma rosca? É, vai segurar, usa na manha, volto segunda.
Vai
entrando, seu Jorge. Dá licença. Trouxe a mangueira hoje? Trouxe, sim. Vai
ficar bom? Vai, fica tranquilo, esse é o meu trabalho. Fiquei menos tranquilo
do que na primeira vez e não tirei o pé da cozinha até ele terminar o serviço.
Ó, tá funcionando tudo. Tudo mesmo? Tudo, olha aqui as bocas, repara nessas
chamas azuis, não são bonitas? Tira a mão, seu Jorge, vai se queimar. Nada, tô
acostumado. Quanto te devo? Centider. Quanto? Centider. Ah, tá aqui, uma
garoupa e uma arara, cem e dez. Ok. obrigado. Obrigado a você. De nada, até
breve. Sem pressa.
Alô,
seu Jorge, o forno não tá funcionando. Não tá? Tá não. Caraca, a gente esqueceu
de regular. A gente esqueceu, Seu Jorge, a gente esqueceu...
--Lembrando que as crônicas
também são publicadas no site do Diário do Rio, um jornal online sobre a Cidade
Maravilhosa
*Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,
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