Carlos Alberto Monteiro Falcão
Não é de hoje que se observa
a evolução da televisão brasileira. Ainda nos anos setenta a telenovela
inovou colocando um ator representando dois personagens ao mesmo tempo na
telinha. Foi uma grande produção de uma
grande emissora, que envolveu os maiores galãs da época. Na trama, um deles era um industrial
milionário que desapareceu depois de um acidente e foi substituído por um sósia
pelos inimigos com o objetivo de surrupiar toda a sua fortuna.
Nessa época, em Caxias, poucos tinham televisão em casa,
somente os mais abastados. Quando os donos permitiam, as janelas dessas casas
eram concorridíssimas no horário nobre da novela, ninguém queria perder um
capítulo sequer da trama. As principais
praças de Caxias se tornaram um grande palco para a novela. A praça Panteon,
praça Gonçalves Dias, Largo de São Benedito e a praça de Santo Antônio no Ponte, que tinham televisores para o deleite
dos seus frequentadores, triplicaram a
sua frequência para acompanhar a novela.
No mercado central, o desenrolar da novela era o assunto
preferido nas rodas de conversa entre os seus
trabalhadores e frequentadores. Eis que chegou o grande dia. Naquele
capítulo finalmente se encontrariam o Hugo falso e o Hugo verdadeiro. A cidade
inteira estava na expectativa do grande encontro. Logo cedo, ao escurecer, a praça Panteon já começava a receber os
telespectadores empolgados, além de ambulantes, vendo a possibilidade de bons
negócios. Os vendedores de laranjas e
de quebra-queixo já se posicionaram estrategicamente para não perder um só
lance e vender os seus produtos. O vendedores de bombons estavam com os tabuleiros
recheados de chicletes, pirulitos Zorro, bombons Estramite e outros doces da
época. Alguns dos telespectadores colocaram até a camisa domingueira para assistir o
capítulo especial da novela. Parecia final da copa do Mundo de futebol, com torcida
organizada e tudo. Uma grande festa. É o dia do grande encontro e como sempre
acontece nas novelas, tudo rolou somente
no final do capítulo. Depois disso foi uma gritaria e, logo começaram as
discussões: “é o fim do mundo!; é
macumba; é mágica; é uma máscara”. O aparelho de televisão foi desligado pelo
funcionário da segurança da praça, enquanto o povo empolgado continuava comentado
sobre o incrível fenômeno.
Tão logo amanheceu, esse já era o principal assunto do
mercado central: o grande encontro do “Hugo verdadeiro com o Hugo falso”. Em todos os ambientes só se falava no capítulo
da novela e nesse clima os ânimos
começaram a ficar acirrados entre as
verdureiras.
Dona Delci e dona
Raimundinha, duas das mais antigas verdureiras do mercado, vizinhas desde
sempre e comadres de fogueira começaram a divergir quanto ao fenômeno da TV. Para
dona Delci, tratava-se da mesma pessoa e afirmava que era um truque da
televisão. Já a dona Raimundinha garantia que o Hugo falso era uma outra pessoa
usando máscara. Ela jurava que o falsário era até um pouco mais baixo que o
original. Os ânimos ficaram exaltados, começaram os empurrões e logo a amigas faram
às vias de fato. Os bobs e presilhas da
cabeça da dona Raimundinha voaram longe, as roupas rasgadas e não poderia
deixar de ter os famosos puxões de cabelo. As bancas viraram e as cebolas, maxixes e talhadas de abóbora
foram espalhadas por todo lado. A meninada gritava, atiçando ainda mais
confusão e nada da turma do deixa-disso aparecer, ao contrário, parecia que todos
queriam ver a pendenga terminar em uma boa briga. A confusão só acabou com a presença de todo o
contingente da Policia Militar da época. Todos os quatro policiais tiveram que
intervir e, inclusive, o soldado Julião pegou uma safanada com uma Talhada de
Taqueira da dona Raimundinha que tinha
como endereço a cabeça da dona Delci.
As duas foram conduzidas para delegacia que ficava na outra
esquina e só depois dos ânimos apaziguados e uma boa descompostura do delegado
as colegas reorganizaram as barracas e a feira voltou à mesma “tranquilidade” de todos os dias. Dizem que o prejuízo foi grande pois jamais
encontraram as verduras perdidas na confusão.

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