segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

HUGO VERDADEIRO OU FALSO?




Carlos Alberto Monteiro Falcão

Não é de hoje que se observa  a evolução da televisão brasileira. Ainda nos anos setenta a telenovela inovou colocando um ator representando dois personagens ao mesmo tempo na telinha.  Foi uma grande produção de uma grande emissora, que envolveu os maiores galãs da época.  Na trama, um deles era um industrial milionário que desapareceu depois de um acidente e foi substituído por um sósia pelos inimigos com o objetivo de surrupiar toda a sua fortuna.
Nessa época, em Caxias, poucos tinham televisão em casa, somente os mais abastados. Quando os donos permitiam, as janelas dessas casas eram concorridíssimas no horário nobre da novela, ninguém queria perder um capítulo sequer da trama.  As principais praças de Caxias se tornaram um grande palco para a novela. A praça Panteon, praça Gonçalves Dias, Largo de São Benedito e a praça de Santo Antônio no  Ponte, que tinham televisores para o deleite dos seus frequentadores, triplicaram  a sua frequência para acompanhar a  novela.
No mercado central, o desenrolar da novela era o assunto preferido nas rodas de conversa entre os seus  trabalhadores e frequentadores. Eis que chegou o grande dia. Naquele capítulo finalmente se encontrariam o Hugo falso e o Hugo verdadeiro. A cidade inteira estava na expectativa do grande encontro. Logo cedo, ao escurecer,  a praça Panteon já começava a receber os telespectadores empolgados, além de ambulantes, vendo a possibilidade de bons negócios.   Os vendedores de laranjas e de quebra-queixo já se posicionaram estrategicamente para não perder um só lance e vender os seus produtos. O vendedores de bombons estavam com os tabuleiros recheados de chicletes, pirulitos Zorro, bombons Estramite e outros doces da época. Alguns dos telespectadores colocaram  até a camisa domingueira para assistir o capítulo especial da novela. Parecia final da copa do Mundo de futebol, com torcida organizada e tudo. Uma grande festa. É o dia do grande encontro e como sempre acontece nas novelas, tudo rolou  somente no final do capítulo. Depois disso foi uma gritaria e, logo começaram as discussões: “é o fim do mundo!;  é macumba; é mágica; é uma máscara”. O aparelho de televisão foi desligado pelo funcionário da segurança da praça, enquanto o povo empolgado continuava comentado sobre o incrível fenômeno.
 
Tão logo amanheceu, esse já era o principal assunto do mercado central: o grande encontro do “Hugo verdadeiro com o Hugo falso”.  Em todos os ambientes só se falava no capítulo da novela e nesse clima os  ânimos começaram a ficar acirrados  entre as verdureiras.
Dona Delci e  dona Raimundinha, duas das mais antigas verdureiras do mercado, vizinhas desde sempre e comadres de fogueira começaram a divergir quanto ao fenômeno da TV. Para dona Delci, tratava-se da mesma pessoa e afirmava que era um truque da televisão. Já a dona Raimundinha garantia que o Hugo falso era uma outra pessoa usando máscara. Ela jurava que o falsário era até um pouco mais baixo que o original. Os ânimos ficaram exaltados, começaram os empurrões e logo a amigas faram às vias de fato.  Os bobs e presilhas da cabeça da dona Raimundinha voaram longe, as roupas rasgadas e não poderia deixar de ter os famosos puxões de cabelo. As bancas viraram e  as cebolas, maxixes e talhadas de abóbora foram espalhadas por todo lado. A meninada gritava, atiçando ainda mais confusão e nada da turma do deixa-disso aparecer, ao contrário, parecia que todos queriam ver a pendenga terminar em uma boa briga.  A confusão só acabou com a presença de todo o contingente da Policia Militar da época. Todos os quatro policiais tiveram que intervir e, inclusive, o soldado Julião pegou uma safanada com uma Talhada de Taqueira  da dona Raimundinha que tinha como endereço a cabeça da dona Delci.
As duas foram conduzidas para delegacia que ficava na outra esquina e só depois dos ânimos apaziguados e uma boa descompostura  do  delegado as colegas reorganizaram as barracas e a feira voltou à mesma  “tranquilidade” de todos os dias.  Dizem que o prejuízo foi grande pois jamais encontraram as verduras perdidas na confusão.

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