Carlos Alberto Monteiro Falcão
Mais uma pescaria no “Velho Monge”, era fevereiro, o rio estava cheio, mas não
chegava a ser uma enchente. Vamos de Marisol atravessar para o lado do
Maranhão. Marisol é o nome carinhoso dado uma canoa de madeira do Toin,
proprietário das terras no lado de lá do rio. Uma parte do grupo ficou
esperando no Bar do Dema enquanto o Toin e o Atentado vieram subindo o rio lá
do povoado Caititús. O objetivo é já ir pegando alguns peixes para o almoço.
Ah.. e o Atentado... esse é o apelido do único pescador profissional do grupo.
Certamente não ganhou esse “nome” na escola por ser o aluno mais comportado.
Ficamos do bar do Dema: eu, Lucão, Paulo Carretel e o Luã. Enquanto esperávamos
a condução, ficamos ouvindo mais uma história de pescador do proprietário do
bar. Daquelas que só um pescador “criativo” pode contar. Ouvimos os gritos
vindo do rio... é o sinal para embarcarmos. Os gritos estavam muito aloprados e
isso nos deixou animados. Certamente pegaram um peixe grande e o almoço estava
garantido.
A medida que íamos nos aproximamos da beira do rio, o
cheiro da terra encharcada e as folhas ainda molhadas da chuva na noite
anterior nos traziam a nostalgia e paz do convívio direto com a natureza. Esse
clima no entanto era quebrado com os
berros do Toin, que aumentavam a medida que íamos nos aproximando. O que foi
“Pouca Sombra”? Pegaram um surubim de 10 quilos?, perguntou o Paulo Carretel. O baixinho só gesticulava e gritava de forma
esbaforida. Quando a Marisol se
aproximou da beira do rio, o susto foi grande. Não tinha surubim nenhum, o que
tinha no fundo da canoa era um pequeno veado catingueiro com cara de muito assustado
amarrado com o cordão da tarrafa do Atentado.
Após uma golada de água, o Toin começou a contar a
pescaria inusitada. Segundo ele, ouviu um latido de cachorros do lado do
Maranhão, os quais certamente acuaram o pequeno cervo. No desespero para fugir dos vorazes cães, o
animal mergulhou nas águas barrentas do velho monge e vinha descendo somente
com a cabeça fora d’agua. Nem sabia que
veado sabia nadar! Ao observarem o animal,
o Atentado já armou a tarrafa enquanto o
Toin manobrava a rabeta da Marisol para
cercar o bicho. Quando o pobre veado sentiu o perigo, tentou voltar para
a margem do rio mas já era tarde, o pescador arremessou a tarrafa e laçou o
veado. Teve que mergulhar para jogá-lo dento da canoa, evitando que ele se
afogasse. Como já estava esgotado com
tanto esforço, nem relutou tanto, facilitando a imobilização com o próprio
cordão do castelo da tarrafa.
Enquanto o Toin fazia a narrativa, dramatizando o corrido, o
Atentado apenas confirmava a história sorrindo e batendo a cabeça. Foi aquele
alvoroço.
Depois do susto e da surpresa, era hora de embarcar, todos
foram entrando na Marisol de forma organizada, distribuindo o peso para
balancear a canoa que ficou muito pesada. Confesso que fiquei mais assustado
que o veado, pois a faltava menos de um palmo para canoa beber água. Lá vamos
nós fazendo a travessia bem devagar, todos muito tensos, ninguém se mexia,
minguem piscava. Em silencio, rezei um terço completo até chegar no outro lado.
O acampamento foi montado e o animalzinho ficou amarrado embaixo de um pé de
juá. As discussões começaram. Vamos
matar o veado e fazer um cozido do espinhaço; podemos fazer um churrasco... mas
alguns, principalmente os mais jovens, estavam a favor de soltar o pequeno
animal... o bichinho é pequeno e está em extinção. Ah não... não venham com
esse papo de ecologista não... Toin argumentou que se não tivéssemos pego,
outros pegariam pois os cachorros o
estavam seguindo e logo ele cansaria e voltaria para a margem! Enquanto isso o Atentado voltou para as
águas, atrás do nosso objetivo: pegar o bom surubim, um dos peixes mais
cobiçados do rio Parnaíba. Menos de duas horas depois, o pescador voltou para o
“rancho” com um surubim de mais de dois quilos, alguns piaus e uma meia dúzia
de mandís.
A discussão continuava. Vamos soltar ou não o veado? O
Toin bateu o martelo: O veado é meu e do Atentado, fomos nós que o pegamos e já
decidimos que vamos comê-lo. Nesse
momento, a Tetê, que já estava na sede da propriedade desde o dia anterior
chegou no acampamento e encontrou o Toin já com a faca na mão para sangrar o
pobre animal. Os adeptos da soltura do
animal logo abordaram a proprietária do terreno, relatando o ocorrido, pedindo
a sua ajuda para liberação do catingueiro.
Ela pensou alguns minutos, observou a basqueta que continha os peixes e
deu o seu veredicto: vocês estão aqui para pescar e comer peixes, “solta o
bichim meu vei “. O Toin resmungou, pisoteu e terminou falando. “É, ele é muito
pequeno mesmo, melhor crescer mais” e soltou o veado, que desapareceu em fração
de segundo, no meio da mata.
A pescaria permaneceu durante todo o dia com muitos
peixes, muitos sorrisos e sem provas materiais do dia em que pescamos um veado
de tarrafa.

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