sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

PESCARIA DIFERENTE




Carlos Alberto Monteiro Falcão

Mais uma pescaria no “Velho Monge”,  era fevereiro, o rio estava cheio, mas não chegava a ser uma enchente. Vamos de Marisol atravessar para o lado do Maranhão. Marisol é o nome carinhoso dado uma canoa de madeira do Toin, proprietário das terras no lado de lá do rio. Uma parte do grupo ficou esperando no Bar do Dema enquanto o Toin e o Atentado vieram subindo o rio lá do povoado Caititús. O objetivo é já ir pegando alguns peixes para o almoço. Ah.. e o Atentado... esse é o apelido do único pescador profissional do grupo. Certamente não ganhou esse “nome” na escola por ser o aluno mais comportado. Ficamos do bar do Dema: eu, Lucão, Paulo Carretel e o Luã. Enquanto esperávamos a condução, ficamos ouvindo mais uma história de pescador do proprietário do bar. Daquelas que só um pescador “criativo” pode contar. Ouvimos os gritos vindo do rio... é o sinal para embarcarmos. Os gritos estavam muito aloprados e isso nos deixou animados. Certamente pegaram um peixe grande e o almoço estava garantido.
A medida que íamos nos aproximamos da beira do rio, o cheiro da terra encharcada e as folhas ainda molhadas da chuva na noite anterior nos traziam a nostalgia e paz do convívio direto com a natureza. Esse clima no entanto era  quebrado com os berros do Toin, que aumentavam a medida que íamos nos aproximando. O que foi “Pouca Sombra”? Pegaram um surubim de 10 quilos?, perguntou o Paulo Carretel.  O baixinho só gesticulava e gritava de forma esbaforida.  Quando a Marisol se aproximou da beira do rio, o susto foi grande. Não tinha surubim nenhum, o que tinha no fundo da canoa era um pequeno veado catingueiro com cara de muito assustado amarrado com o cordão da tarrafa do Atentado.
Após uma golada de água, o Toin começou a contar a pescaria inusitada. Segundo ele, ouviu um latido de cachorros do lado do Maranhão, os quais certamente acuaram o pequeno cervo.  No desespero para fugir dos vorazes cães, o animal mergulhou nas águas barrentas do velho monge e vinha descendo somente com a cabeça fora d’agua. Nem  sabia que veado sabia nadar!  Ao observarem o animal, o Atentado já armou a tarrafa enquanto o  Toin manobrava a rabeta da Marisol para  cercar o bicho. Quando o pobre veado sentiu o perigo, tentou voltar para a margem do rio mas já era tarde, o pescador arremessou a tarrafa e laçou o veado. Teve que mergulhar para jogá-lo dento da canoa, evitando que ele se afogasse.  Como já estava esgotado com tanto esforço, nem relutou tanto, facilitando a imobilização com o próprio cordão do castelo da tarrafa.
Enquanto o Toin  fazia a narrativa, dramatizando o corrido, o Atentado apenas confirmava a história sorrindo e batendo a cabeça. Foi aquele alvoroço.

Depois do susto e da surpresa, era hora de embarcar, todos foram entrando na Marisol de forma organizada, distribuindo o peso para balancear a canoa que ficou muito pesada. Confesso que fiquei mais assustado que o veado, pois a faltava menos de um palmo para canoa beber água. Lá vamos nós fazendo a travessia bem devagar, todos muito tensos, ninguém se mexia, minguem piscava. Em silencio, rezei um terço completo até chegar no outro lado. O acampamento foi montado e o animalzinho ficou amarrado embaixo de um pé de juá.  As discussões começaram. Vamos matar o veado e fazer um cozido do espinhaço; podemos fazer um churrasco... mas alguns, principalmente os mais jovens, estavam a favor de soltar o pequeno animal... o bichinho é pequeno e está em extinção. Ah não... não venham com esse papo de ecologista não... Toin argumentou que se não tivéssemos pego, outros pegariam pois os cachorros  o estavam seguindo e logo ele cansaria e voltaria para a margem!  Enquanto isso o Atentado voltou para as águas, atrás do nosso objetivo: pegar o bom surubim, um dos peixes mais cobiçados do rio Parnaíba. Menos de duas horas depois, o pescador voltou para o “rancho” com um surubim de mais de dois quilos, alguns piaus e uma meia dúzia de mandís.
A discussão continuava. Vamos soltar ou não o veado? O Toin bateu o martelo: O veado é meu e do Atentado, fomos nós que o pegamos e já decidimos que vamos comê-lo.  Nesse momento, a Tetê, que já estava na sede da propriedade desde o dia anterior chegou no acampamento e encontrou o Toin já com a faca na mão para sangrar o pobre animal.  Os adeptos da soltura do animal logo abordaram a proprietária do terreno, relatando o ocorrido, pedindo a sua ajuda para liberação do catingueiro.  Ela pensou alguns minutos, observou a basqueta que continha os peixes e deu o seu veredicto: vocês estão aqui para pescar e comer peixes, “solta o bichim meu vei “. O Toin resmungou, pisoteu e terminou falando. “É, ele é muito pequeno mesmo, melhor crescer mais” e soltou o veado, que desapareceu em fração de segundo, no meio da mata.
A pescaria permaneceu durante todo o dia com muitos peixes, muitos sorrisos e sem provas materiais do dia em que pescamos um veado de tarrafa.

Nenhum comentário: