Daniel Cariello**
Outro
dia nevou em Paris. Aí eu perguntei pro meu pai o que que era a neve. Ele disse
que era o gelo bem fino que caía do céu. E eu perguntei se tinha congelador nas
nuvens, pra poder fabricar o gelo. Meu pai disse que não era preciso, pois
ficava tão frio lá em cima que a água congelava sozinha. Aí eu me lembrei que
na nossa geladeira a água congelada vira uma pedrona de gelo e perguntei se no
céu tinha uma máquina pra quebrar esse gelo em um montão de pedacinhos, pra
virar neve fininha. Ele disse que queria ver o jornal e que falava sobre isso
depois.
Percebi
que o meu pai não sabia nada sobre neve e fui perguntar pro meu irmão mais
velho, que é tão grande que consegue encostar o pé no chão quando senta na
cadeira. Ele falou que a neve era um fenômeno meteorológico que fazia cair
cristais de gelo. Aí eu perguntei pra ele o que era meteorológico e ele disse
que eu era burra. Então eu chorei bem alto e forte e minha mãe veio perguntar o
que tinha acontecido. Eu disse que o João tinha me chamado de burra e minha mãe
falou pra ele ir pro quarto. Mas aí eu fiquei sem saber o que é meteorológico.
Enquanto
minha mãe fazia um café com leite bem quentinho pra mim, eu perguntei também
pra ela o que era a neve. Ela me explicou que eram os vapores de água que se
congelavam, lá em cimão, nas nuvens bem altas. Aí é que eu não entendi nada
mesmo, pois pra mim o vapor é quente. Pelo menos é o que a minha mãe sempre me
diz quando eu chego perto do fogão pra ver a chaleira soltando aquela fumaça.
Ela diz: "Sai daí, Gabriela, esse vapor vai acabar te queimando". Eu
também começo a achar que a minha mãe não entende muito das coisas. Se o vapor
é quente, como é que ele não derrete a neve?
Sabe,
eu nunca desisto de uma pergunta. A professora da escola diz que eu tenho
espírito de cientista, porque eu gosto de saber tudo em detalhes. Não é nada
disso. É que os adultos falam bobagens para as crianças, talvez com medo de que
a gente não entenda a explicação de verdade. Mas o que eu acho mesmo é que eles
nunca sabem as respostas, então inventam uma história qualquer. Ou então dizem
"olha, é complicado explicar isso", "você ainda não tem idade
pra saber", "depois da novela a gente conversa", "pergunta
pro seu pai", "pergunta pra sua mãe" e esse tipo de coisa.
Por
isso eu fui perguntar pro Mathieu, que é meu amiguinho da escola. O Mathieu é
muito inteligente. Ele já consegue até amarrar o cadarço do tênis sozinho.
Outro dia eu consegui também, mas depois minha mãe ficou reclamando comigo,
dizendo que eu tinha dado tantos nós que mais parecia uma teia de aranha aquele
cadarço e que ela ia ter que cortar tudo com a tesoura e comprar um novo. Pra
mim estava bem bonito.
O
Mathieu falou que a neve era o que os adultos usavam para fazer o sorvete. Mas
eles guardavam esse segredo bem guardado porque era pras crianças não tomarem
sorvete o tempo todo. Aí eu perguntei pra ele como é que o sorvete chegava a um
país quente como o Brasil sem derreter. Ele disse que todo o sorvete do mundo
era feito nos países frios e depois era transportado em geladeiras muito
grandes dentro de navios muito grandes.
Aí
eu tive uma ideia muito, muito boa. Falei pro Mathieu que quando a gente for
grande pode pegar um avião, voar bem lá no alto e jogar sabores diferentes em
cima das nuvens. Aí não vai nunca mais cair neve. Vai cair sempre sorvete, já
prontinho. O Mathieu adorou a ideia e até já falou que vai ser piloto de avião
pra gente poder fazer isso sem pedir a ajuda de ninguém. Aí eu falei que já que
a gente ia ficar rico podia se casar e ter muitos filhos. E nessa hora ele saiu
correndo pro parquinho. O Mathieu pode ser muito inteligente, mas às vezes ele
ainda é um pouco imaturo.
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*O texto acima faz parte do livro
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** Daniel Cariello é escritor. Foi cronista de veículos como Veja Brasília, Le Monde Diplomatique Online e Revista Pix. É autor de Chéri à Paris e Cidade dos Sonhos. Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,

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