A. J. de O. Monteiro
No
início do ano de 1986, era grande a expectativa com a nova passagem do cometa
Halley pelo Sistema Solar – a última ocorrera em 1910. Naquele ano a terra
atravessou a cauda do corpo celeste que, segundo descobertas recentes (àquele
ano), continha cianogênio, gás bastante tóxico, o que gerou pânico entre
a população e foi motivo mais que suficiente para os charlatães, sempre
atentos, tirarem proveito e colocar no mercado produtos destinados a proteger
as pessoas dos efeitos nocivos do gás. Os pilantras ofereciam remédios
(cloroquina?) e produtos protetores tais como guarda-chuvas anti cometa e
máscaras contra gases, obtendo grandes lucros, apesar dos alertas dos
astrônomos da inexistência de risco de envenenamento tendo em vista que a cauda
do cometa era muito difusa.
Em
1986 não houve pânico e sim uma grande mobilização das corporações voltadas
para o turismo e entretenimento que passaram a anunciar eventos para os dias do
carnaval – de nove a onze de fevereiro – que coincidiriam com o periélio do
cometa (período em que a cauda se torna mais luminosa devida a proximidade com
o sol). Clubes, hotéis e agências de turismos ofereciam seus espaços para quem
quisesse observar o fenômeno, disponibilizando instrumentos de observação, como
lunetas e até pequenos telescópios. Agências de turismo ofertaram cruzeiros,
assegurando que em alto mar a visibilidade seria bem melhor. Mas, foi uma
enorme frustração. O velho Halley (o primeiro registro de sua passagem pelo
sistema solar, data de 240 a. C) não deu o ar da graça para o povo, devido à excessiva
luminosidade artificial e a grande poluição atmosférica. Foi visto apenas pelos
cientistas com acesso aos observatórios astronômicos.
Naquela
noite de nove de fevereiro de 1986 o cometa não veio, mas, na zona rural de uma
pequena cidade do interior nordestino nasceu um menino: O primeiro filho do
casal de pequenos lavradores Zeca de Mazé e Diolinda. Veio à luz pelas
experientes mãos de D. Anunciata, parteira responsável pelo nascimento das três
gerações que habitam o povoado. O parto se deu segundo o protocolo da
obstetrícia sertaneja: quarto na penumbra, muita água morna e panos
esterilizados com água fervida em tachos de cobre. Após o primeiro choro, como
de praxe, a velha parteira cortou o cordão umbilical e pôs-se a examinar a
higidez física do recém-nascido e, para seu horror, viu a maior fimose que já
vira entre tantos e tantos cristãos que ajudara nascer. A do menino era enorme,
alcançava o joelhinho! Mostrou para a mãe que, assustada começou a chorar e foi
consolada pela velha parteira: - “Não se assuste, é
apenas um ‘courinho’ e vai encolher, e se não encolher, o doutor corta o que tá
de sobra”. Naquele momento o menino ganhava seu primeiro apelido: courinho!
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Desde
que descobrira a gravidez, Diolina escolheu os nomes: - “se for menina vai se
chamar Permínia, em homenagem à minha mãe; se for menino vai ser Deyvidson, só
por que gosto do nome”. Zeca deu de ombros, posto que não pensava no assunto.
Mas, num dia em que foi tomar umas talagadas na única birosca do povoado viu,
num pedaço de jornal jogado sobre o balcão, a manchete: “O HALLEY ESTÁ
CHEGANDO”. Sem mesmo saber do que se tratava, gostou do o nome: - “se for menino
vai se chamar Halley, e pronto”!
Concluído o trabalho, com a
higienização do bebê e a limpeza do quarto, D. Anunciata autorizou a entrado do
emocionado pai. Ao vê-lo, Diolinda, entre lágrimas, falou:
— Chega mais perto Zeca, vem
conhecer o Deyvidson, é a tua cara!
— Deivdson, coisa nenhuma, o nome
dele é Halley! É menino homem, eu escolho!
— Mas Zeca, desde o início
escolhi Deyvidson se fosse menino e você concordou...
— Concordei nada, apenas não
falei, mas vi este nome no jornal, achei bonito e pronto, vai ser Halley.
Neste
ponto da discussão D. Anunciata resolveu intervir, ponderando: - “e por que não
colocar Halley Deyvidson? Fica bonito e atende a vontade dos dois”. Os dois
concordaram. O menino será então registrado e batizado com o nome de Halley
Deyvdson Nunes da Silva.
Diolinda pediu que o marido se aproximasse, desenrolou o bebê e mostrou a coisa. Zeca ficou estático, sem falar, motivando mais uma vez a intervenção e D. Anunciata
que repetiu ao pai o que dissera à mãe: - “Não se assuste, é apenas um
‘courinho’ e vai encolher, e se não encolher, o doutor corta o que tá de
sobra”.
Passado
o susto e vendo que o bebê se desenvolvia normalmente, foram se acostumando,
mas resolveram manter o fato em segredo pois sabiam da maledicência do povo do
local e queriam proteger o pequeno Halley que crescia, mas não na mesma
proporção do “courinho”, que já alcançava o meio da canela. Aos seis meses,
como é normal, o pequenino começou a engatinhar de “quatro” como muitas
crianças o fazem e, como é comum no quente Nordeste, os pais as deixam nuas em
casa, até certa idade. Halley, engatinhando de “quatro”, deixava no chão de
terra um rastro que até facilitava sua localização quando saia da vista da mãe
sempre às voltas com os trabalhos da casa. Um dia, enquanto a mãe estava ocupada
com seus afazeres, Halley ultrapassou os limites da casa e chegou ao quintal
sem que ela percebesse e só se dando conta da “fuga” quando ouviu o choro e os
gritos de pavor da criança. Saiu correndo apavorada, seguindo a trilha deixada
no chão, até encontrá-lo no terreiro cercado pelas galinhas que bicavam
ferozmente seu “courinho”, talvez confundindo-o com uma minhoca. Ela enxotou as
aves, pegou-o nos braços acalentando-o e fez um curativo emergencial com os
recursos que dispunha em casa. Quando o marido chegou, resolveram levar o
menino até “seo” Benedito Caixote, que fazia as vezes de enfermeiro da
localidade, que fez um curativo mais
apropriado, mas recomendando uma cirurgia para cortar o excesso de pele, que
ele mesmo poderia fazer tão logo as feridas cicatrizassem, pois dispunha de
instrumental e conhecimento para tanto. Nonato não concordou pois, mesmo na
simplicidade de seus conhecimentos sabia que o enfermeiro não tinha condições
de realizar operação, principalmente em parte tão importante do filho.
O
tempo foi passando, Halley Deyvidson crescendo e os problemas causados pela
deformidade surgindo e, para os quais, a mãe achava soluções paliativas. Quando
o garoto urinava, o jato não tinha força para sair do “courinho”, provocando a
formação de um inchaço num determinado ponto. Ela então, delicadamente, ia
empurrando com os dedos até esvaziar. Ao inchaço, em sua inocência, o menino
chamava de “balãozinho” e até se divertia como o processo. Quando ia sair com ele,
ela enrolava o “courinho” e o prendia com um elástico... Iam dando esses
jeitinhos, mas não se resolviam levá-lo a um médico.
Como
proteção, retardaram o quanto puderam sua matrícula na escola rural do povoado
e só o fizeram aos sete anos quando os parentes e amigos próximos começaram a
cobrar deles a educação do garoto. Mas Diolinda tomou todos os cuidados
possíveis. Ensinou-o enrolar o “courinho” prendendo-o com a cueca. Recomendou
também que deixasse para esvaziá-lo somente em casa, evitando assim expor-se
aos olhares curiosos dos coleguinhas. E assim foi feito, sem problemas, pelos
primeiros anos escolares, até que um dia a urina acumulou a um ponto
insuportável e ele teve que correr ao banheiro para esvaziar o “courinho”, com
a técnica que a mãe usava. Aí começaram seus tormentos. Alguns garotos o
seguiram e viram estarrecidos – em princípio – e divertidos, a aberração. Naquele
momento ele ganhou seu segundo apelido: “pato”!
Halley se sentiu humilhado e, furioso, não
quis mais voltar à escola, sendo obrigado pelos pais a continuar.
Como
os pais nunca o levaram ao médico – o pai por ignorância e a mãe por indolência
– Halley Deyvidson seguiu pela vida arrastando seu “courinho” e seus tormentos
até completar dezoito anos quando, desafiando o pai, mas incentivado pela mãe,
resolveu ir para a cidade procurar tratamento. No posto de saúde, o médico que
o atendeu condoeu-se com a triste história de sofrimento do rapaz causado pela
ignorância dos pais e o encaminhou a um cirurgião que fez a circuncisão
retirando o excesso do couro e o que sobrou foi pouco. A parte funcional do
conjunto atrofiara e Halley Deyvidson ganhou seu terceiro apelido: “pirulito de
quermesse”! Que lhe foi dado pelas mocinhas da única casa de iniciação do
local.
Até
hoje o homem Halley Deyvidson entra em transe quando ouve falar da aproximação
de um cometa, pois acredita que seu destino está atrelado a esses corpos
celestes.
Um comentário:
Cada vez melhor!
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