terça-feira, 26 de maio de 2020

PÂNICO NA MADRUGADA

O Grito - Edvard Munch


A. J. de O. Monteiro

                No sábado passado, 23 de maio de 2020, após o jantar, por volta das 19:00 horas, minha mulher e minha filha foram, como de costume, para a sala de estar assistir os noticiários noturnos das televisões, atualmente voltados em grande parte para a pandemia do corona vírus e, em menor escala, para o não menos sinistro festival de sandices ora ocorrendo no Planalto Central. Meu filho e a namorada recolheram-se e eu fui para o quarto de dormir garimpar algum filme interessante que me fizesse abstrair de toda essa situação, no mínimo surreal. “Entrei” no Cassino que chamou minha atenção pelos protagonistas – Robert de Niro e Sharon Stone e pela direção de Martin Scorsese. É um filme longo – quase três horas de trama – e lá pela metade, não resisti ao assédio de Morfeu e dormi.
                Não sei quanto tempo depois de sucumbir ao sono, acordo sacudido por minha mulher que, trêmula me diz sem arrodeio: - “levanta, estão arrombando a casa”! Levanto da cama e a sigo até a sala onde encontro minha filha, meu filho e a namorada, todos com semblantes assustados. Até as duas vira latas que criamos pareciam assustadas. Elas, que se põem a latir e rosnar por qualquer barulho exterior (sinetinhas do picolezeiro ou do entregador de gás e até da campainha da casa) estavam quietas deitadas sob o sofá sem emitir nem um “pio”. Apenas a gata parecia não se importar e desfilava com seu ar blasé como se dissesse: tô nem aí! Abri uma janela lateral e ouvi o martelar como que de uma parede sendo quebrada, mas o barulho me pareceu vir da casa ao lado, onde funcionam um salão de beleza e uma clínica de fisioterapia. Essa casa foi arrombada há um ou dois meses e de onde, segundo me contou um dos funcionários, os ladrões levaram alguns aparelhos de uso profissional e o televisor da sala de espera.
                A polícia, que acionamos pelo número 190, não dava o ar da graça. Meu filho e eu fomos para a garagem que, com a grade fechada a cadeados, nos dava alguma proteção. Ele armado com seu bastão de “bets”, que jazia esquecido em um canto qualquer da bagunça do seu quarto e eu com minha faca modelo “crocodilo dundee”, muito útil para quem mora na zona urbana de uma cidade onde a população de jacarés se resume a meia dúzia de indivíduos, confinados em um recinto do Parque Zoobotânico. E ali ficamos ouvindo as pancadas, o barulho de ferramentas arrastada ou jogadas no chão, porta de carro batendo e vozes indistintas abafadas pelo barulho da chuva forte que começou cair. A polícia, acionada mais uma ou duas vezes, não chegava. De repente ouvimos o som da sirene do vigilante noturno de uma dessas empresas de segurança privada e que muito me irrita ao acordar-me sempre no melhor do sono. Desta vez fiquei aliviado ao ouvir o som que parecia vir em direção à nossa casa, mas mudou de direção e foi enfraquecendo até não ser mais ouvido. Otimista ainda supus que ele vira o movimento e fora em busca auxílio, mas, passado algum tempo, nada de socorro. Nem da polícia, nem do vigilante.
                Não sei quanto tempo durou, mas me pareceu uma eternidade até o barulho cessar e ouvirmos um motor de carro a diesel ser acionado e vimos, por sobre o muro, passar a boleia de um caminhão se afastando lentamente. Comentei com meu filho: - “desta vez eles vieram preparados, trouxeram um carro grande”... Somente então olhei a hora na tela do celular. Eram três horas daquela angustiante madrugada do domingo.
                Tudo acalmado resolvemos nos recolher e tentar dormir, mas dessa vez Morfeu, assim como a polícia e o vigilante não deu a cara e resolvi retornar à companhia de De Niro e Sheron e fui até o “the end”.
                Clareado do dia, levantei, preparei meu café, aguei as plantas e só então resolvi sair e verificar a casa que, para minha surpresa, estava intacta. Nem o mais leve sinal de arrombamento... Só ao voltar é que vi a tampa da caixa do hidrômetro de nossa casa jogada na calçada, assim como restos de embalagens espalhados pelo chão. E aí a ficha caiu. Explico: É que no sábado pela manhã solicitei à companhia de abastecimento de água concerto para um vazamento na tubulação da rua, pouco antes do contador. Eles vieram, até antes da minha expectativa de demora, mas, àquela hora da madrugada, sem aviso prévio, foi no mínimo irresponsável. E o pior: o vazamento persiste...