QUERIDA MARI,
Como
gostei de falar com você há pouco. Gostei tanto que logo comecei a escrever
essa carta, que talvez nunca envie pelos Correios, mas publicarei sem te
avisar, para que você tropece nela por aí, nos seus passeios virtuais.
A
sua nova casa é linda e aconchegante, exatamente como você é. Deve ser um lugar
e tanto para continuar o retiro que você começou há alguns anos, desde que
pegou a bicicleta e saiu pedalando sozinha por estradas e países tão longes do
nosso. Ainda bem que você pôde fazer uma pausa nesse recolhimento e transformar
essa história maravilhosa em um livro, que lançamos juntamente com outras obras
de companheiros que viram, de perto, o que parecia longe.
Falando
nisso, Mari, confirmo: estou escrevendo o livrão que você perguntou. O primeiro
capítulo está pronto há algum tempo, faltam todos os outros. Tem um pouco de
García Márquez, tem um pouco de Verissimo, tem um pouco de Machado, formando
uma sopa de letrinhas que tem muito de mim. Quem somos sem nossas referências,
não é verdade?
Gostei
de saber que você também está produzindo sem parar. Adoro seus textos e suas
ilustrações. Tudo o que vem de você é poético. Ainda conto com aquele livro que
escreveríamos todos juntos, lembra-se? Mas acho melhor guardá-lo para quando
voltar o tempo da delicadeza. É que nesse momento as coisas estão sombrias pelo
lado de cá, como você sabe bem. Na terrinha, espero que estejam melhores. Nessa
época em que o mundo exterior tornou-se tão hostil, acho mesmo melhor nos virarmos
para nossos próprios mundos internos. Por isso, chego quase a ter inveja do seu
recolhimento voluntário. Ainda bem que tenho tido a chance de me refugiar um
pouco também.
Do
mundo lá fora, só tenho tido saudade das pessoas. Da família, dos amigos, dos
companheiros de jornada. Ok, e dos restaurantes e shows também. E da praia e
das piscinas. Como serão os restaurantes e shows depois que essa maluquice toda
passar? E as pessoas? Estaremos mais próximos ou cada vez mais afastados?
Eu
tenho às vezes um otimismo que beira a imbecilidade, assumo. Acredito que
estamos passando por uma depuração coletiva – infelizmente com muitas pessoas pagando caro
demais pela idiotice de outras poucas – e sairemos melhores dessa. Mas, para
atravessarmos esse túnel, precisamos continuar nos cuidando. Vai vigiando do
lado de lá que eu sigo zelando do lado de cá, prometo.
E
não se esqueça de colocar as cervejas para gelar. Quando você menos esperar,
vou aparecer por aí, pra sentarmos em volta da mesinha da sua varanda, com os
pés na grama, e ficarmos conversando por horas sobre nada. Ou sobre tudo. O
que, afinal de contas, é a mesma coisa.
Um grande beijo.
Daniel Cariello*
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Esse texto faz parte da série "Crônicas
isoladas", que continuará durante a quarentena.
*Daniel Cariello é escritor. Foi cronista de veículos como Veja Brasília, Le Monde Diplomatique Online e Revista Pix. É autor de Chéri à Paris e Cidade dos Sonhos. Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,
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