A. J. de O. Monteiro
Percival
era funcionário do Banco do Brasil, instituição que melhor remunerava naquela
época e ser empregado do Banco, era garantia de “status” e vida financeira bem
acima dos padrões de qualquer assalariado seja do setor privado ou do setor
público. As famílias de renda média baixa, tão logo seus filhos concluíam o
ensino médio eram estimulava-os a prestar concurso para o banco. De imediato eram
colocados em cursos de datilografia e preparatórios de português, matemática
curricular e financeira e noções de contabilidade bancária visando torná-los
aptos a enfrentar a disputa por um cargo de escriturário. A exigência das
provas era grande, a concorrência por vaga altíssima. A aprovação era
comemorada com entusiasmo. Considerava-se melhor que passar no vestibular pois
não precisava esperar anos e anos para obter o retorno financeiro.
Após
a aprovação, observados todos os ritos admissionais (exames médicos,
comprovação de regularidade das obrigações civis e militares, etc.) os novos
bancários eram alocados nas diversas agências do banco de acordo com a
classificação obtida: os mais bem classificados iam para as agências das
grandes cidades e os demais para as cidades de médio e pequeno porte,
observando ainda a importância econômica dessas e, por estes critérios,
Percival foi lotado em agência de uma pequena cidade do interior. A cidadezinha
oferecia muito pouco em atrativos principalmente no quesito lazer: tinha um
acanhado clube com salão de festas, piscina e um campinho de futebol de “oito”.
Para o convívio social tinha, além do clube, uma pracinha onde se situava a
igreja e bares, muitos bares com pelo menos uma mesa de sinuca cada um. Daí a
lenda de que todo bancário do interior é bom de copo e de taco! E essas opções
impunha outra necessidade: casar e logo! E foi isso que Percival Fez. Casou com
prendada donzela da sociedade local com quem constituiu família e foi por lá
ficando...
Nesse
cenário só se pode imaginar uma vida bem limitada e entediante, mas Percival adaptou-se
logo, pois não era homem de muitas exigências. Durante a semana cumpria sua
carga de oito horas diária na agência e ao fim da jornada ia com alguns colegas
para o melhor bar da cidade tomar cerveja e jogar sinuca, e por lá ficava, no
máximo até as dez da noite, que é o horário de cidade pequena descansar.
Chegando em casa encontrava D. Etelvina – era esse o nome da afortunada –
invariavelmente ao pé do rádio ouvindo a última radionovela da noite, fazendo
tricô, esperando-o para esquentar o jantar – último ato de sua jornada que
começava com o primeiro clarão do dia: o café da manhã, arrumar e levar as
crianças para a escola, limpar a casa, preparar o almoço, pegar os filhos na
escola e, depois do almoço, ajudá-los com os deveres escolares. E Percival,
batendo na barriga, dizia: - “não vou jantar querida, comi muito tira-gosto no
bar... Aos sábados Percival também ia pro bar logo cedo encontrar com a turma,
mas ia com a recomendação de D. Etelvina: - “não vá se empanturrar de
tira-gosto! Vou preparar um almoço especial! E ele obedecia pois gostava dos
almoços especiais que ela preparava. D. Etelvina era excelente cozinheira. Aos
domingos iam à missa juntos e após a missa ela levava as crianças para a manhã
de sol no clube enquanto ele seguia direto para o bar encontrar com a turma,
tomar cerveja, jogar sinuca e se empanturrar de tira-gosto pois ela almoçava no
clube com as crianças.
D.
Etelvina era uma típica mulher de sua época: Educada para ser boa dona de casa,
boa mãe e esposa obediente, mas com muito tato, certo dia resolveu questionar o marido:
— Querido, sei que vocês homens precisam desse tipo diversão: o bar, os
amigos, a cerveja, os jogos, as piadas... Sei disso, mas precisa ser todo dia?
— Ora querida, o trabalho no banco é exaustivo e vamos ao bar relaxar um
pouco. Você está aborrecida? Está faltando alguma coisa?
— Está faltando sim, está faltando a gente sentar, conversar, relaxar
mesmo, pois o relaxamento do bar não está funcionando muito bem. Você sempre
chega cansado. As crianças também sentem sua falta, você quase não as vê. Já
reparou como estão crescidos? Estão chegando à adolescência e precisam da
orientação do pai.
— Não lhe tiro a razão, mas gosto de tomar minha cervejinha proseando e
você sabe que não exagero.
— Também gosto de tomar uma cervejinha proseando, você bem que poderia
comprar umas e trazer depois do trabalho, ia ser muito bom. E você ainda teria
os sábado e domingos para o bar e os amigos.
— Mas, querida, não temos geladeira e do bar até aqui as cervejas
esquentariam e cerveja quente é pior que purgante, não dá para tomar. Já é
muito tarde, vamos dormir disse ele encerrando a conversa que não estava muito
lá ao seu gosto.
Certo
dia ao chegar para o almoço, Percival encontrou instalada na sala de jantar uma
robusta “gelomátic” estalando de nova e já com um prosaico pinguim de olhos
perscrutadores “pousado” em seu topo...
— Uma geladeira, Etelvina? Deve ter custado uma fábula! É um luxo que
ainda não podemos nos conceder (na época, geladeira era um luxo para poucos,
muito cara até mesmo para um bancário do Banco do Brasil).
— Fiz uma retirada da poupança que você abriu para mim... Você não disse
que eu poderia usar o dinheiro como quisesse?
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Percival
era um homem previdente e abriu poupanças para a esposa e as crianças nas quais
depositava, mensalmente dez por cento do seu salário líquido. É para quando eu
faltar, dizia ele batendo na madeira.
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— Não era bem isso que imaginava, mas já está feito e assim fica.
— Bem, agora podemos tomar nossa cervejinha gelada em casa após o
jantar, proseando, ouvindo música e conversando com as crianças até elas irem
dormir e depois... Você sabe, né?
Ele
se viu sem argumentos e concordou, a contra gosto, mas concordou. Cumpriu a
promessa por alguns dias, mas acabou retomando o “repiau” com cerveja,
tira-gosto, sinuca e a velha turma do banco, provocando, pela primeira vez, um
protesto mais veemente de D. Etelvina:
— Muito bem, senhor Percival – quando ela o tratava assim, não estava
brincando – sacrifiquei minha poupança para comprar a geladeira e tê-lo conosco
por mais tempo e o senhor retoma sua vidinha cotidiana do bar com seus amigos,
isso não é justo!
— Sabe querida, senti falta do tira-gosto... Jantar e tomar cerveja não
combina...
— Pois todo dia, antes de voltar para o banco após o almoço me diga qual
tira-gosto deseja para acompanhar a cerveja que eu preparo e lhe garanto que
vai ficar melhor que o do bar.
Mais
uma vez Percival teve que ceder e os dois retomaram o ritual da cervejinha
gelada, ouvindo música etc., etc. Tudo como da primeira vez, exceto pelo
acompanhamento de deliciosos e variados tira-gostos. Mas, como da primeira vez,
durou pouco e mais uma vez Percival voltou a frequentar o bar após o expediente
e mais uma vez D. Etelvina protestou:
— Puxa Percival, comprei geladeira, cuido que a cerveja gele ao seu
gosto e todo dia preparo um tira-gosto diferente e, mesmo assim, você quebrou o
trato voltando a frequentar o bar todo santo dia!
— Etelvina, querida, é que você não sabe contar piadas...
*Adaptação de antiga anedota.
Um comentário:
Adoro as crônicas de meu cronista preferido!
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