sábado, 9 de maio de 2020

QUARENTENA: FORMAS E SONS (Pra Não Dizer Que Não Falei da copa)




A. J. de O. Monteiro

                A mim, os domingos levam à reflexão – e não, como a maioria, ao Faustão – ao exercício dos sentidos, principalmente os da visão e audição. Passo horas no quintal perscrutando o céu, por entre as brechas dos enormes edifícios residenciais erguidos ao redor de minha casa, observando as nuvens e as diversas formas que elas tomam. De repente, posso ver um urso em pé como que em posição de ataque ou defesa; logo depois o urso se transforma num tubarão branco com sua bocarra de predador incansável e assim vão se metamorfoseando ao capricho do vento e da imaginação infantil que teima, vez por outra me tomar nesses dias.   As formas já não se apresentam tão facilmente como quando criança, mas, assim mesmo, me distraem e abstraem, por um tempo, dessa sensação de estar vivendo um personagem saído dum livro de Saramago, Garcia Marques ou Kafka.  Já o silêncio dominical destes dias – sem os ruídos permanentes da cidade viva – aguça minha percepção auditiva e me permite ouvir sons que o ronco dos motores de carros, motos, aviões e das sirenes de escolas e obras abafam em dias de normalidade. Ouço distintamente o arrulhar dos pombos; o pio dos gaviões; a gritaria do bando de periquitos maracanã que esvoaçam sem ordem aparente. Até os saguis que eram comuns por estas bandas e sumiram com o corte das mangueiras para o erguimento dos condomínios, arriscam passear pelos muros e fios da rede elétrica emitindo seus guinchos que parecem penetrar no corpo.    
                Os condomínios que me rodeiam também têm seus sons, além dos bate panelas destes últimos dias. Deles veem risos e choros de crianças que, pelo timbre, dá para imaginar até mesmo a faixa etária delas que vai dos bebês aos pré-adolescentes. Ouço também os adultos conversando entre si, sobre a pandemia, negócios, futebol e a insanidade da política atual, ou, histéricos, gritando com as crianças estressadas pela privação das aulas e das brincadeiras ao ar livre. Por tudo isso suponho que a maioria dos moradores desses condomínios é formada por casais jovens que têm se esforçado para manter o mundo povoado.
                Ah, e os aniversários? Bem, em casa, ou apartamento que tem criança tem que ter festinha de aniversário e nos condomínios que me cercam e me olham de cima não poderia ser diferente. Não raro me surpreendo – aliás, já não me surpreendo – com os sons das cantigas típicas dessas festinhas: “parabéns a você”, “pic-pic” e o indefectível “com quem será que o fulano(a) vai casar...” Esta, causadora de “amuos” e protestos.  Como estão proibidas as aglomerações, creio que os pais do aniversariante fazem chegar ao conhecimento dos demais condôminos, a notícia do evento e, na hora marcada, todos vão às sacadas e janelas para saudar o aniversariante com as tais cantigas, palmas e outras manifestações típicas que todos conhecemos (gostaria de saber com que entusiasmo o homenageado(a) reage).   Ultimamente, aí sim para minha surpresa, um outro, mas conhecido som veio juntar-se às homenagens. Explico: Provavelmente um morador enfastiado pelo confinamento resolveu revirar seu quarto de despejos e lá encontrou uma relíquia trazida da África do Sul ou, talvez, comprada por aqui mesmo em banca de camelô: Uma Vuvuzela! Lembram? Quem acompanhou a copa de 2010 sabe do que estou falando. Pois bem, em toda e qualquer comemoração que ocorra, em qualquer dos prédios o ingente som se espalha pela vizinhança trazendo à memória – pelo menos à minha – aquela já longínqua copa e os três fatos mais marcantes nela ocorridos – novamente, pelo menos para mim: O irritante som do instrumento; o inglês britânico do Joel Santana e o medíocre futebol apresentado pela seleção brasileira.
                O que a difere minha vida neste infindável domingo do calendário pandêmico, dos domingos do calendário juliano é que estes são dedicados quase que inteiramente ao ócio etílico-contemplativo e os da quarentena, em grande parte, ao labor doméstico...

2 comentários:

Simone disse...

Muito bom ��

manoel andante disse...

Assino em baixo