A. J. de O. Monteiro
A
mim, os domingos levam à reflexão – e não, como a maioria, ao Faustão – ao
exercício dos sentidos, principalmente os da visão e audição. Passo horas no
quintal perscrutando o céu, por entre as brechas dos enormes edifícios
residenciais erguidos ao redor de minha casa, observando as nuvens e as
diversas formas que elas tomam. De repente, posso ver um urso em pé como que em
posição de ataque ou defesa; logo depois o urso se transforma num tubarão
branco com sua bocarra de predador incansável e assim vão se metamorfoseando ao
capricho do vento e da imaginação infantil que teima, vez por outra me tomar
nesses dias. As formas já não se apresentam tão facilmente
como quando criança, mas, assim mesmo, me distraem e abstraem, por um tempo,
dessa sensação de estar vivendo um personagem saído dum livro de Saramago,
Garcia Marques ou Kafka. Já o silêncio
dominical destes dias – sem os ruídos permanentes da cidade viva – aguça minha
percepção auditiva e me permite ouvir sons que o ronco dos motores de carros,
motos, aviões e das sirenes de escolas e obras abafam em dias de normalidade.
Ouço distintamente o arrulhar dos pombos; o pio dos gaviões; a gritaria do
bando de periquitos maracanã que esvoaçam sem ordem aparente. Até os saguis que
eram comuns por estas bandas e sumiram com o corte das mangueiras para o
erguimento dos condomínios, arriscam passear pelos muros e fios da rede
elétrica emitindo seus guinchos que parecem penetrar no corpo.
Os
condomínios que me rodeiam também têm seus sons, além dos bate panelas destes
últimos dias. Deles veem risos e choros de crianças que, pelo timbre, dá para
imaginar até mesmo a faixa etária delas que vai dos bebês aos pré-adolescentes.
Ouço também os adultos conversando entre si, sobre a pandemia, negócios,
futebol e a insanidade da política atual, ou, histéricos, gritando com as
crianças estressadas pela privação das aulas e das brincadeiras ao ar livre.
Por tudo isso suponho que a maioria dos moradores desses condomínios é formada
por casais jovens que têm se esforçado para manter o mundo povoado.
Ah,
e os aniversários? Bem, em casa, ou apartamento que tem criança tem que ter
festinha de aniversário e nos condomínios que me cercam e me olham de cima não
poderia ser diferente. Não raro me surpreendo – aliás, já não me surpreendo –
com os sons das cantigas típicas dessas festinhas: “parabéns a você”, “pic-pic”
e o indefectível “com quem será que o fulano(a) vai casar...” Esta, causadora
de “amuos” e protestos. Como estão
proibidas as aglomerações, creio que os pais do aniversariante fazem chegar ao
conhecimento dos demais condôminos, a notícia do evento e, na hora marcada,
todos vão às sacadas e janelas para saudar o aniversariante com as tais
cantigas, palmas e outras manifestações típicas que todos conhecemos (gostaria
de saber com que entusiasmo o homenageado(a) reage). Ultimamente, aí sim para minha surpresa, um outro,
mas conhecido som veio juntar-se às homenagens. Explico: Provavelmente um
morador enfastiado pelo confinamento resolveu revirar seu quarto de despejos e
lá encontrou uma relíquia trazida da África do Sul ou, talvez, comprada por
aqui mesmo em banca de camelô: Uma Vuvuzela! Lembram? Quem acompanhou a copa de
2010 sabe do que estou falando. Pois bem, em toda e qualquer comemoração que
ocorra, em qualquer dos prédios o ingente som se espalha pela vizinhança
trazendo à memória – pelo menos à minha – aquela já longínqua copa e os três
fatos mais marcantes nela ocorridos – novamente, pelo menos para mim: O
irritante som do instrumento; o inglês britânico do Joel Santana e o medíocre
futebol apresentado pela seleção brasileira.
O
que a difere minha vida neste infindável domingo do calendário pandêmico, dos
domingos do calendário juliano é que estes são dedicados quase que inteiramente
ao ócio etílico-contemplativo e os da quarentena, em grande parte, ao labor
doméstico...
2 comentários:
Muito bom ��
Assino em baixo
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