Daniel Cariello*
O
estranho chega de bicicleta, pára em frente ao portão da vila, digita um código
no interfone e aguarda. Parece que ninguém responde, pois ele volta a apertar
as teclas, conferindo o número na tela do celular. Guarda o aparelho no bolso,
ajeita a mochila em suas costas e fica olhando para o interfone, como se isso
obrigasse alguém do outro lado a responder, o que não acontece. Ele bate o pé,
tira o telefone do bolso, faz menção de ligar, mas não concretiza o ato.
Súbito, descobre-me no lusco fusco.
— Ei, moço!
Estamos
apenas Louise e eu na vila, um beco sem saída e com algumas casas. Descemos da
nossa para esticar um pouco as pernas e para Louise poder pular corda, o que
faz com muita desenvoltura. Mas interrompemos as atividades para acompanhar a
movimentação desse raro visitante em tempos de confinamento.
— Moço, aqui!
Viro
para trás, procurando outra pessoa, só para confirmar o que já sei: é comigo
mesmo que ele está falando. E agora, como reagir ao estranho, esse ser
desaparecido de nossas vidas nas últimas semanas? Fico olhando para ele,
torcendo para que alguém do outro lado do interfone interfira, mas não
acontece.
— Ei, pode me ajudar? Tô querendo
ir à casa 2, mas ninguém atende.
— Oi? - perguntei, tentando me
livrar do problema, sem entretanto saber como.
— A casa 2, tô tocando lá,
ninguém responde.
Fico
tão atrapalhado com a chegada do estranho que não sei o que fazer: se aviso na
casa 2, se abro o portão para ele entrar, se fujo correndo...
— O que você quer na casa 2?
— Vim entregar uma pizza.
— De quê?
— Como?
— Com quem, quero dizer, com quem
você quer falar?
Ele
não precisa responder, porque no mesmo instante um solitário vizinho mascarado
pede licença ao estranho e abre o portão da vila. Ele aproveita a brecha e
entra junto, tentando explicar que ia à casa 2, mas o vizinho nem dá bola.
Louise
e eu abrimos a passagem para estranho, que sem parar pergunta onde fica a tal
casa 2. Apontamos com o cotovelo. Ele se detém em frente à porta e toca a
campainha. Como ninguém responde, toca novamente. Ao se preparar para uma
terceira tentativa, uma fresta se abre. De lá, surge uma mão, que recolhe a
encomenda e retorna sorrateira para onde saíra.
Ele
ajeita a mochila nas costas, dá meia-volta, passa novamente por nós, abre o
portão, monta em sua bicicleta e desaparece, depois de trazer para a vila um
pouco do mundo lá fora, o estranho.
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Esse texto é o terceiro da série
"Crônicas isoladas", que continuará durante a quarentena
* Daniel Cariello é escritor. Foi cronista de veículos como Veja Brasília, Le Monde Diplomatique Online e Revista Pix. É autor de Chéri à Paris e Cidade dos Sonhos. Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,
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